Aug 27, 2007

NY Diaries 12: Ainda Há Estrelas no Céu

Numa cidade onde cada minuto tem o valor de um nanossegundo. A hora de ponta em Nova Iorque é uma epopeia em prol da eficiência que narra o feito de chegar de A a B no menor espaço de tempo possível. As mulheres desfazem-se dos saltos e os homens dos blazers para se poderem movimentar mais rapidamente. Põem-se os "fones" nos ouvidos para que o momento possa ainda ser um momento individual apesar de se estar no meio de uma multidão, por vezes, demasiado próxima e compacta.

Quem vive em Manhattan passa os primeiros momentos matinais nos transportes públicos, num cruzar de passos apressados e corridas para conseguir ainda apanhar aquele metro quase a partir. Jornal, livros e iPod em riste para tornarem úteis uns minutos desperdiçados. Depois, os contrastes, numa cidade que vive a dois ritmos, o desenfreado e o criativo, o que não tem um minuto a perder e o que se encosta a cada manhã ou noite na esquina do metro, com o rosto sulcado de estórias de outros países e de outros continentes, um passado de séculos, não apenas de anos, somados a apresentados ali, onde o mundo conflui, por vezes demasiado apressado para realmente absorver e se inebriar com aquela música. Em notas que dizem eu não quero a tua vida, quero o teu dinheiro, mas se não me deres nada toco à mesma, porque é a tocar que eu vivo, se não tocar o coração para de bater e a paixão esvai-se.

Numa cidade que para tornar ainda mais rápida a sua navegação tem as suas coordenadas afixadas em cada esquina numa cadência lógica de números que se cruzam com avenidas também numeradas. Aqui, normalmente o mapa fica em casa, tudo o que se precisa saber são os pontos cardeais e tomar alguns prédios como pontos de referência. Tudo se complica, no entanto, quando as ruas não seguem uma fórmula numérica e adoptam nomes, como na zona de downtown onde moro. No passado fim-de-semana uma visita para jantar quase que se perdeu porque não tinha a "grelha" numerada como guia.

Mas apesar do caos organizado, ainda há quem veja estrelas no céu Nova Iorquino e faça delas objecto de enormes telas. Desde este passado fim-de-semana está patente no Guggenheim uma retrospectiva do pintor expressionista abstracto americano Richard Pousette-Dart. Quadros que se apresentam à vista repletos de textura e de dinamismo, numa invocação do cosmos e de outros símbolos tão imateriais ao olho humano como os astros; em suma, uma viagem pessoal para o observador que o abstraccionismo proporciona como nenhum outro movimento artístico. Um pouco mais a Sul experimenta-se uma sinfonia em forma de outra cidade, desta feita, Berlim, na Neue Galerie com uma exposição que celebra o famoso quadro por Ernst Ludwig Kirchner, Berlin Street Scene. Mais uma vez, o pulsar de uma cidade em pinceladas que falam mais do que mil palavras.


Richard Pousette-Dart, Night Landscape (1969-71)

[Publicado no Semanário Económico - 24 de Agosto, 2007]

Aug 18, 2007

NY Diaries 11: Nova Iorque a Banhos

Muitas vezes a pergunta é, o que levaria consigo para uma Ilha deserta. Por vezes, no entanto, ir a banhos, significa deixar a ilha. Sim, é difícil esquecer que Nova Iorque é uma ilha, uma ilha, nas palavras de Colson Whitehead, no seu livro The Colossus of New York, segura por várias pontes, como se fossem âncoras que a impedem de andar à deriva. E não seria esse o cenário ideal, uma Nova Iorque ambulante pelo mundo? Mas Nova Iorque já está presente em várias latitudes e longitudes, no imaginário e nas lembranças dos milhões de turistas que a visitam todos os anos. Aliás, nesta altura do ano, os turistas são a maior multidão que percorre as ruas desta cidade durante o fim-de-semana. Os nativos, muitos desses estão a banhos nos Hamptons, ou noutro destino solarengo.

Mas afinal, em que consiste a bagagem de um New Yorker quando vai para os Hamptons. Não precisa de muito, porque as lojas, restaurantes, bares e galerias de arte o acompanham como um cão fiel ao seu dono. Num fenómeno de urbanização dos destinos de veraneio ou numa resistência feroz à "desurbanização", a lista de coisas que um urbanite não pode viver sem vai aumentado a cada ano. Num cenário de pequena vila à beira mar com arquitectura a condizer, as grandes lojas que se alinham em Madison Avenue ou no SoHo Nova Iorquinos, abrem as suas portas em ponto mais pequeno para o Verão, na esperança de não serem esquecidas e de tentarem o espírito mais relaxado.

Os apartamentos e as townhouses, essas transformam-se em casas imensas que em vez de se empilharem na cidade se estendem à beira do mar, lagos ou lagoas. Essas casas reflectem as mesmas paixões que se podem ver nos espaços consideravelmente mais pequenos habitados pelos seus donos na cidade. O Nova Iorquino não pode passar sem a sua obra de arte na parede, como os Sugimotos e os Damien Hirsts que vi no outro dia numa dessas casas dos Hamptons, mesmo os mais controversos, ou até talvez por isso, como os painéis em forma de janela gótica forrados de asas de borboletas num padrão de mosaicos multicores pelo segundo destes artistas.

Mas o Verão também continua na cidade, as trovoadas de tempos a tempos que lavam a atmosfera e refrescam o ar, o asfalto que quase derrete, a humidade que em certos dias nos faz lembrar climas tropicais, as noites quentes, muito quentes, e o metro que sufoca nas plataformas e relembra um frigorifico dentro das carruagens por causa do ar condicionado no máximo. Durante o Verão o brunch de Domingo é tomado al fresco, acompanhado por uma boa conversa e pelo jornal, o meu último brunch foi no 44X, localizado num bairro de Manhattan que traduzido à letra se chama cozinha do diabo, mas o que seria a vida sem estes pecadilhos como o de degustar ao Domingo um menu servido pela Hell's Kitchen

[Publicado no Semanário Económico - 17 de Agosto, 2007]

Aug 11, 2007

La Joie de Vivre


Nova Iorque tem uma atracção fatal por ser diferente. Não por irreverência pura e simples, mas pelo ser original, no sentido de superar o mediano, de ser excepcional. O cenário e a encenação podem ser os mais inesperados, nas primeiras sextas-feiras de cada mês o cenário é o Guggenheim e a encenação chama-se Art After Dark. Quando os relógios dão as nove badaladas da noite, o museu convida uma multidão diferente para partilhar os seus segredos e tesouros. As obras de arte que pensavam que iam ter uma noite repousante para recuperar da azáfama dos turistas e amantes da arte de todo o mundo que incansavelmente percorreram o museu durante o dia, têm ainda que sorrir e pousar por mais umas horas para a sessão da noite, desta feita, ao som dos ritmos do século XXI. Àquela hora, a rotunda do museu, a base de onde se ergue e para onde converge a enorme estrutura desenhada por Frank Lloyd Wright, não tem filas para comprar bilhetes, tem antes um bar e um DJ convidado.

Assim, como reza a tradição, na passada sexta-feira as hostes reuniram-se no Guggenheim, ao contrário da tradição, ali não se notava que Agosto é, geralmente, um mês mais vazio em Nova Iorque. Comigo, um amigo que tinha acabado de aterrar de Madrid, mas que já viveu em Paris e Singapura e que já viajou por muitas outras cidades. No meio da conversa, um comentário sobre o bom gosto Nova Iorquino. Sim, as pessoas em Nova Iorque têm estilo e afirmam-no, não o sussurram. Eclético, mas normalmente de extremo bom gosto. Aqui, a busca pela perfeição é uma forma de estar na vida, não um mero capricho intermitente. Aqui, quando se olha para a enorme espiral que dá forma ao museu, pensa-se que The Only Way is Up, como a canção dos Yazz, numa metáfora palpável para as aspirações desta cidade.

Depois, se as artes plásticas se cruzam com a arte musical, a música também por vezes se cruza com a arte de fazer negócio, mesmo quando o negócio em causa não é o da música. Desta vez o cenário foi o Javits Center, e a encenação Promotion Day. Na primeira sexta-feira de Agosto, a minha empresa aluga o Javits Center em Manhattan para celebrar as promoções de cada ano. Desta vez o convidado de honra, para aqueles que duvidam que um rapper pode inflamar uma plateia com palavras não cantadas, foi Queen Latifah. De Newark, New Jersey, para o estrelato foi um longo percurso de grande determinação. O segredo, segundo a artista que decidiu ser rainha por auto-nomeação, foi ter acreditado sempre em si própria, não ter tido receio de experimentar o até então não experimentado e ser apaixonada pelo que faz. E o leitor, vê uma pessoa apaixonada pela vida quando olha no espelho?

[Publicado no Semanário Económico - 10 de Agosto, 2007]