Nov 15, 2008

Ficou devido um adeus como deve ser à coluna no Semanário Económico


Ficou devido um adeus como deve ser à coluna no Semanário Económico. Num tempo de mudança avassaladora, em que os dias como nós os conhecemos, nas pequenas rotinas e no sentido geral que lhes atribuímos, mudam mais depressa do que o conseguimos interiorizar, também o mundo das publicações periódicas em Portugal mudou. De Nova Iorque ainda menos me apercebo do convulsar da economia Portuguesa, ou do consolidar de posições, pois a crise actual originou a dois passos da minha porta e quando se sente os efeitos tão perto do epicentro, dificilmente se consegue absorver o que são os efeitos noutras partes do globo. Resultado da crise ou das vontades, a verdade é que o Semanário Económico foi comprado pelo Diário Económico, as redacções consolidadas e o suplemento Casual, para o qual escrevia a coluna NY Diaries, foi descontinuado. Do mundo dos negócios, do international tax e das empresas multinacionais que me ocupa a tempo inteiro foi um desafio fabuloso e uma experiência inesquecível a incursão pelo mundo das letras "in print", com a vantagem de estar longe e, portanto, de tudo me parecer estratosférico e ficar sempre espantada quando me reconheciam ou me enviavam mensagens electrónicas sobre a coluna.

Ainda não decidi exactamente para que vai servir este fórum, o blog NY Diaries, vou deixar fluir. Sei que continuará a reflectir o pulsar e a minha vivência nesta cidade que é a minha segunda pele e que adoro - New York. O ritmo aqui é alucinante, com ou sem crise, e por vezes quase que falta tempo para pensar. Mas as ideias fluem, sempre, os projectos são sempre prolíficos e o mundo das letras ou das artes vai continuar a fazer parte da minha vida, apenas é ainda cedo de mais para revelar ao mundo o que o futuro promete. Wait and see, if you dare!

Sep 28, 2008

NY Diaries 50: Half & Half

Apesar de o ditado dizer que é no meio-termo que reside a virtude, eu confesso que não gosto do meio-termo. Não gosto do que não é pouco, mas também não é bastante, do que fica aquém, na fronteira entre uma promessa e uma frustração, do que não é plenitude, excepcional, tudo ou nada. Na terminologia do leite que não é magro, mas também não é gordo, o half & half é quase uma indecisão, um assumir em potência.

Mas por vezes o que não é totalmente, também tem as suas vantagens, como um mal menor. Num volte-face inesperado, na semana que passou, os Estados Unidos entraram numa era de regulamentação dos mercados financeiros, pseudo-nacionalizaram a seguradora A.I.G e lançaram as bases de um fundo de 700 biliões de dólares para adquirir os "activos tóxicos" que assolam os balanços de instituições financeiras americanas e estrangeiras com operações significativas nos Estados Unidos. A mim, fez-me lembrar um spot publicitário australiano de serviços de terceira geração para telemóveis, intitulado sem medo, em que os jogos se jogam na vida real e em que o comentador diz, e "o que seria se pudesse fazer o que adora, mas sem consequências". No anúncio, os utilizadores movem-se através da cidade, campo e até se aventuram em direcção ao mar, dentro de umas cápsulas gigantes de plástico insuflável acolchoado, desafiando os elementos, sem consequências. Na realidade dos mercados, a ausência de efeitos é uma utopia e apesar de o estado norte-americano estar a tentar minorar as consequências negativas da queda através da sua versão de cápsulas insufláveis, os resultados estão muito longe de garantidos.

Mas half & half, também porque este passado dia 22 ocorreu o equinócio de Outono, o momento em que o sol se posiciona directamente sobre o equador e em que a duração do dia é idêntica à duração da noite. O mar revoltava-se e contorcia-se, a estação mudava e Nova Iorque estava em estado de sítio. No dia 22, cabeças de estado de vários países confluíram à cidade para participar numa sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, incluindo o actual Presidente, no seu último discurso como tal perante a Assembleia, e para assistir à reunião anual da Global Initiative de Bill Clinton. Vias e pontes cortadas e um enorme aparato policial congestionaram Manhattan ao extremo, realçando o seu carácter de ilha. O dia coincidiu com uma partida para uma viagem de negócios, mas com o caos em que se encontrava o trânsito na cidade e arredores, pensei que ia ser desta que ia perder um avião pela primeira vez. Cheguei a tempo, e, no fim, acabei por ter que esperar já na pista pela aterragem de um dignitário não identificado para poder partir.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Luís Vaz de Camões


[Publicado no Semanário Económico - 26 de Setembro, 2008]

Sep 20, 2008

NY Diaries 49: "It's the end of the world as we know it"

Esta semana o mundo viu mais uma segunda-feira negra em Wall Street. Naquilo que representou a maior queda dos índices bolsistas desde o 11 de Setembro de 2001, no seguimento da falência da Lehman Brothers e da compra da Merrill Lynch pelo Bank of America. As reminiscências com a crise de 1987 são ostensivas. Era óptimo que, como por milagre, a título de ressalva, algures na televisão ou nas páginas da Internet, aparecessem essas letras pequenas que ninguém lê a anunciar que isto é uma obra de ficção e que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Mas embora o mercado pareça estar ainda em maré de negação e, por isso, o efeito tsunami ainda não se tenha feito sentir, a verdade é que isto é tudo isso mesmo, realidade nua e crua.

Aqui em Nova Iorque ainda está tudo meio atordoado. O dia ainda não tinha acabado neste lado do Atlântico e já mais uma bomba implodia com o anúncio de que a Moody's tinha tirado um ponto na classificação de risco da A.I.G., o que para uma empresa seguradora pode ter consequências catastróficas. Que isto é o equivalente ao fim do mundo tal como o conhecemos, seguindo o mote da música dos R.E.M., neste momento, parece óbvio. No entanto, a razão porque uma segunda-feira como esta se apresenta negra, não é, apenas, pelos acontecimentos presentes, mas antes, pelos acontecimentos potenciais. E são tantas as coisas que os Nova Iorquinos queriam saber, hoje, sobre o futuro. Quem vai ser o próximo presidente, se chegámos ao fundo da crise, quantas mais pessoas no sector financeiro vão perder o emprego e quais é que vão ser as consequências para a economia da cidade, do país e do mundo, entre outras. As mais variadas previsões e correlações têm sido divulgadas, mas a incerteza está no ar.

Ainda a semana passada a New York Fashion Week decorria em pleno, com a consciência de que, nas palavras de Chanel, "a moda está no ar, nas ruas; moda tem a ver com ideias, com a forma como vivemos e com o que está a acontecer." Por isso, para animar os ânimos, a moda vestiu-se de cores fortes; invocou o oriente com calças de odalisca, algumas bordadas com pedrarias e ouro, como na Ralph Lauren; o homem urbano de ZZegna intitulou-se poético e sempre refinado; e a Tommy Hilfiger surpreendeu com o que, para mim, foi uma das melhores localizações para apresentar um desfile de moda, o átrio central de um teatro no Lincoln Center, um espaço amplo, aberto aos corredores de acesso às várias galerias, ladeado por duas estátuas monumentais que adicionaram uma certa magnificência ao desfile. Houve ainda quem se aventurasse a relacionar o domínio da minissaia patente nos desfiles com a habitual relação entre as bainhas e a economia. No entanto, por agora, a altura das saias subiu, mas a economia talvez ainda tenha que descer mais um pouco até subir outra vez. Ainda temos até à Primavera de 2009 para ver se a tradição sempre se mantém.

[Publicado no Semanário Económico - 19 de Setembro, 2008]

Sep 13, 2008

NY Diaries 48: Imortalidade

Realmente, à vista desarmada não se consegue vislumbrar as estrelas no céu Nova Iorquino, mas a cidade é um íman que atrai constantemente outras estrelas, as que se dedicam a uma profissão ou vocação em que ser uma lenda é imperativo, pois a alternativa é o desvanecimento do artista da memória colectiva, o que, em si, é um paradoxo porque quando se visa entreter, inspirar e, em suma, tocar o maior número de pessoas possível, a audiência passa a fazer parte do sujeito, em vez de ser apenas um predicado.

Esta semana, a busca da imortalidade assumiu várias formas e todas elas uma arte no seu direito próprio. O U.S. Open entrou na recta final, com as semifinais masculinas e a final feminina disputadas este passado fim-de-semana, seguidas pela final masculina que foi adiada para esta passada segunda-feira por causa da tempestade que assolou Nova Iorque no Sábado à tarde. Ver bom ténis ao vivo é sempre excitante e se Rafael Nadal, por quem estava a torcer no estádio Arthur Ashe, não conseguiu a proeza da somar o troféu às suas vitórias deste ano em Wimbledon e Roland Garros e ao ouro olímpico, Roger Federer bateu Andy Murray na final e com esta vitória reafirmou a sua lenda no firmamento do ténis.

Ainda o mundo do desporto não tinha atingido a sua apoteose final, já o mundo da moda descia à cidade no seu melhor. A New York Fashion Week começou oficialmente no passado dia cinco. Se a moda nos permite metamorfosear a identidade, permite também criar uma identidade ou um estilo para a posteridade, um feito que só alguns designers de moda conseguem atingir. Deixar um legado como o de Yves Saint Laurent, é atingir imortalidade em forma de peças e tendências chave que estão em qualquer guarda-roupa feminino, mesmo no das mais incautas. Uma das grandes senhoras da moda Nova Iorquina é, sem dúvida, Carolina Herrera que personifica estilo e sobriedade. Ao assistir ao desfile de moda Primavera/Verão 2009, não pude deixar de notar alguns elementos que são a sua assinatura, como se da alma latina da moda Nova Iorquina se tratasse, como os folhos, rendas e brocados na medida certa, que jogam com as texturas em tecidos fluidos ou mais estruturados. Nas passerelles estiveram ainda em lugar de destaque os novos materiais, com a tecnologia a dar expressão à imaginação através de tecidos brilhantes como o lurex, que na colecção de Carolina Herrera foram utilizados para acentuar a silhueta feminina em combinações de corpetes e saias de noite com várias camadas ou fatos de saia ou calça e casaco.
Em geral, o que é que a moda Primavera/Verão 2009 promete? Cor e glamour, jumpsuits também. Tendências que passam de uma estação para a outra e que se fundem porque hoje em dia a moda não dita as tendências, inspira, e tudo é permitido.

Carolina Herrera, Primavera/Verão 2009:



[Publicado no Semanário Económico - 12 de Setembro, 2008]

Sep 6, 2008

NY Diaries 47: "La rentrée"


É oficial, o Verão acabou, pelo menos em termos Nova Iorquinos. Esta passada segunda-feira foi o Labor Day, dia que para os Nova Iorquinos representa o adeus ao Verão, aos Hamptons, às ruas com multidões mais reduzidas e aos restaurantes in disponíveis para uma reserva de última hora. Eu adoro o Verão e tudo aquilo que vem com o dito, mesmo quando este é passado maioritariamente na cidade. Adoro a subtracção das camadas de roupa que se têm que usar no Inverno, o calor, as explanadas e os terraços que se abrem à cidade para sua contemplação, e a possibilidade de praia, mesmo que muitas vezes não concretizada. Desde sempre, que quando o fim do Verão se aproxima sinto uma nostalgia antecipada que nunca conseguiu ser erradicada pela expectativa de um novo começo, seja de ano escolar ou um novo estágio na carreira, nos casos, como o da minha empresa, em que as promoções se tornam efectivas no primeiro de Setembro. Mas o Labor Day não significa apenas o fim do Verão, marca também a rentrée, ou seja, quando o calendário social recomeça em pleno, como se ressuscitado da languidez das férias, pronto a tomar a cidade de assalto.

A rentrée social foi acompanhada pelo lançamento oficial do período de campanha eleitoral, com a Convenção Nacional do Partido Democrata a dominar os meios de comunicação social durante a semana que precedeu o Labor Day. Washington, D.C., onde estive em trabalho dois dias depois de ter aterrado de Estocolmo, estava a meio gás, com muitos dos políticos em Denver, onde decorreu a convenção, e com o Capitólio ainda de férias. A cidade emana solenidade e representa sempre um encontro com o poder, seja com horários marcados, em edifícios governamentais, como fora de horas, em baluartes dos bastidores da política, como o Capital Grill (o original), onde jantei depois de um dia de reuniões.

A experiência urbana continua não apenas a ser vivida em pleno em Nova Iorque, como também a ser objecto de exposições. Desta feita no Museum of Modern Art ("MoMA"), na maior mostra de quadros da série Berlin Street Scene de Kirchner, pintados entre 1913 e 1915, que ilustram, precisamente, o glamour e ao mesmo tempo a alienação da vida urbana. Noutra exposição, que já tinha visto o ano passado na Tate Modern, em Londres, Dalí: Painting and Film, denota-se o impacto que Nova Iorque teve em Dalí aquando da sua visita em 1934 nos desenhos para os cenários de um filme que este estava a planear, Les Mystères Surréalistes de New York. Também Dalí foi enfeitiçado pelos predicados da cidade e depois desta viagem a Nova Iorque seguiram-se várias outras.

No mundo do desporto, está a decorrer às portas de Manhattan o U.S. Open, que este ano celebra quarenta anos. Federer é um veterano do Open, tendo sido o único jogador que ganhou o torneio quatro vezes consecutivas e é com grande expectativa que se aguarda a final masculina.

Ernst Ludwig Kirchner, Berlin, Street (1913)

[Publicado no Semanário Económico - 5 de Setembro, 2008]

Aug 30, 2008

NY Diaries 46: Absolutamente Estocolmo

Estocolmo, ou a Veneza do Norte, como é chamada por muitos, é uma cidade idílica banhada numa profusão de água que estabelece os contornos das várias ilhas que a compõem e que se cobre de tons de girassol, laranja e alfazema ao pôr-do-sol. Numa cidade assim, a evasão pode ser total. A cidade vibra a um pulsar mais calmo, sereno e organizado, mas sem deixar de ser também um centro urbano, na vanguarda do que é belo.

Estocolmo tem um charme de cidade antiga, com o passado preservado na traça de muitos dos edifícios e dos palácios que salpicam a cidade e que definem o seu recorte na linha do horizonte. Mas por outro lado, há o Estocolmo moderno, o que se manifesta através de outra forma de arte, a arte de trazer o belo para o dia-a-dia. O design Nórdico é beleza em forma pura, de linhas simples e de grande funcionalidade, sem compromisso da estética. Um conceito que em Estocolmo é uma forma de vida, patente até nos mais ínfimos pormenores, como uma chávena no mais comum dos cafés.

Eu sou absolutamente fascinada pelo design nórdico e, como tal, não só tinha que ir experienciá-lo na origem, como tinha que ficar no que é considerado o exponencial máximo do design em Estocolmo, o Nordic Light Hotel. Com design de Jan Söder and Lars Pihl, este hotel proporciona uma verdadeira experiência holística que procura estimular todos os sentidos de várias formas. O conceito do hotel foi inspirado pelo fenómeno Escandinavo da aurora boreal, utilizando a cor e a luz de uma forma inovadora. Nos quartos, por exemplo, a cor da luz pode ser ajustada de modo a reflectir ou influenciar o estado de espírito. Uma interacção que é feita de forma simbiótica, pois a própria fachada do hotel muda de acordo com as cores de cada quarto.

O hotel é um reduto sublime depois de um dia em missão de reconhecimento ou de descobrimento da cidade e ao mesmo tempo uma continuidade da atenção que é dada ao detalhe pela cidade fora. Desde os dizeres em relevo nas toalhas, alusivas à luz, ao ginásio ou aos nomes dos cocktails no bar, tudo foi pensado com grande cuidado. Os espaços comuns são absolutamente incríveis, o lobby, que durante a minha estada estava decorado com instalações de tecidos pela estilista sueca Diana Orving, é também bar e zona de restaurante, com acesso a uma sala/bar toda branca, e ainda a uma explanada, decorada com dois globos pelo grupo de design sueco Front, que brincam com a luz e a sombra quando as luzes se acendem. Mas se o hotel não chegar para "encher o olho", a capital da Escandinávia tem ainda para oferecer lojas de design, de fazer qualquer um querer ter várias casas para decorar naquele preciso momento, e restaurantes que impressionam pelo décor, ambiance e culinária. A não perder, as lojas Asplund, Design House Stockholm e Nordiska Galleriet, e os restaurantes P.A. & Co. e Fredsgatan 12.

Nordic Light Hotel: Fachada

Nordic Light Hotel: Lobby

Nordic Light Hotel: White Room

Fredsgatan 12

Nordiska Galleriet

[Publicado no Semanário Económico - 29 de Agosto, 2008]

Aug 24, 2008

NY Diaries 45: Absoluta Antecipação

Escrevo mais uma vez entre lounges de aeroportos e portas de embarque, com um sentimento de crescente antecipação em relação a mais uma partida, uma viagem, uma descoberta, desta vez por lazer. Mais um voo de longo curso. De facto, de Nova Iorque as opções internacionais a curta distância são menos do que de Londres. No entanto, se dantes um voo de duas horas e meia, durante o qual se cruzavam vários espaços aéreos tinha o sabor de uma viagem distante, desde que me mudei para os Estados Unidos tudo ganhou uma nova perspectiva. Viagens de duas horas e meia de ida e volta fazem-se, por vezes, no mesmo dia e viagens transatlânticas já não são especialmente longas. É tudo relativo.

Os dias e até as semanas que antecedem umas férias são autênticas maratonas ou provas de resistência contra relógio, em que se desafiam os minutos para se terminar todo o trabalho pendente antes da partida, bem como qualquer potencial eventualidade que pudesse vir a surgir durante a ausência. Mesmo que não estejamos particularmente necessitados de férias no momento em que as marcamos, quando embarcamos no avião até mesmo numa cadeira futurista que se converte em cama ao carregar de um botão se dorme o melhor dos sonos. Desta vez, o inusitado aconteceu, tive momentos em que questionei porque é que partia. Com um sol glorioso em Nova Iorque, pensava em todos os programas turísticos que ainda não tive oportunidade de fazer, em todos os restaurantes que ainda não tive tempo de experimentar, nas exposições que ainda não consegui ver e nas praias não muito longe de Manhattan que mal usufruí este Verão. Mas assim que entrei no aeroporto, fiz o check-in e passei pela segurança, aquela sensação de antecipação precedente a cada viagem que o ambiente de aeroporto enaltece, voltou em pleno.

Momentos de grande expectativa vivem-se também nos Estados Unidos em relação aos jogos Olímpicos de Pequim. Michael Phelps acabou de encher a nação de orgulho pelas suas oito medalhas de ouro, num mês e num ano também terminados em oito, batendo o recorde de medalhas de ouro ganhas nuns únicos jogos detido por Mark Spitz desde os jogos de Munique de 1972. Eu vesti totalmente a camisola, como a grande maioria dos estrangeiros a viver nos Estados Unidos, e regularmente verifico em quanto vão o número de medalhas americanas na sua luta de titãs contra a China. Não porque tenha alguma coisa contra ao desafiar da hegemonia americana, mas porque acredito que o desporto, como qualquer profissão, deve ser uma paixão e não uma imposição governamental mais ou menos explícita. E claro, também se vão recebendo as notícias portuguesas e da nossa medalha de prata ganha por Vanessa Fernandes.

Quando a antecipação se esvai é porque atingimos o objectivo, por agora, vou descobrir Estocolmo, onde acabei de aterrar.

[Publicado no Semanário Económico - 22 de Agosto, 2008]

Aug 16, 2008

NY Diaries 44: La Dolce Vita

Se o mundo é um palco, Nova Iorque é o palco do mundo. As explanadas dos restaurantes e os terraços dos bares com vistas deslumbrantes para os grandes ícones da cidade, como o Empire State Building ou o incrivelmente belo Chrysler, branco, com a sua abóbada de aço multifacetada, atraem, hoje, uma multidão cosmopolita de estilo sofisticado e com sede de uma vida intensa. Se perguntassem ao estrangeiro ou ao americano em Nova Iorque (com uma grande probabilidade de não ser originalmente de Nova Iorque), "Why do you live in [New York]?", à semelhança da pergunta feita ao americano em Roma no filme Roma de Fellini, a resposta seria certamente a mesma, "[New York] is the only place to be to wait for the end". Não há dúvidas, pela maior parte, certezas, de que aqui é para sempre, no que o para sempre de um momento pode demonstrar.

Tal como no mundo de La Dolce Vita, que deu a palavra paparazzi ao dicionário da língua universal moderna, a estrelas passeiam lado a lado com o cidadão comum. Como diz Marcello Mastroianni no filme, "eu gosto de [Nova Iorque], é uma espécie de selva, onde uma pessoa se pode esconder bem". Há como que um direito inerente ao anonimato, porque o que quer que ou quem se fosse numa vida prévia, contornada por outras fronteiras e com outra designação no mapa, aqui não tem nome, ou porque, simplesmente, ninguém quer saber.

O glamour de outros tempos, esse ainda habita em Manhattan, renovado, transformado, como um camaleão revivalista. O Plaza Hotel, que reabriu há poucos meses, parcialmente convertido em condomínios de luxo e com uma parte ainda dedicada a hotel, deslumbra com a sua sala de chá que rivaliza com as salas do Ritz ou do Claridge's, em Londres. Nunca lá tomei o chá das cinco, por isso não posso confirmar se a tradição das sanduíches de pepino ou dos scones é levada à letra, mas o cenário faz jus. O piano toca durante a tarde e daqui a uns meses é a vez de Paris abrir no Plaza uma das suas patisseries favoritas, a Ladurée. De Paris já chegou uma das livrarias que imortaliza o estilo, a beleza e a arte da fotografia, a Assouline, a única fora de Paris, com as suas bibliotecas portáteis Goyard, a branca e a preta, em exposição com livros de lombada a condizer, que convidam a viajar com um baú cheio de livros, porque nunca sabemos qual o livro que nos pode apetecer ler num dado momento e porque os livros são tesouros e como qualquer tesouro são mais bem guardados numa arca.


[Publicado no Semanário Económico - 14 de Agosto, 2008]

Aug 9, 2008

NY Diaries 43: As várias faces da Gotham


É Verão na Gotham, o outro nome para Nova Iorque que foi usado pela primeira vez pelo escritor americano Washington Irving no século XIX. Há certas coisas que nunca mudam, ou se mudam, é para melhor, e assim o SummerStage em Central Park continua a surpreender com concertos de todos os géneros musicais; há também Shakespeare no Parque; o River to River Festival, com eventos em Downtown à beira do Hudson e do East River; ou o Lincoln Center Out of Doors, outro festival de entrada livre com jazz, dança e música americana, que decorre de 7 a 24 de Agosto. O frenesim continua a envolver a cidade, mas ao mesmo tempo com o sabor do calor morno do Verão. Se por um lado, as noites na cidade não são sob um céu estrelado ou as tardes de fim-de-semana de churrascada, como em muitas das localidades que circundam Manhattan, os Nova Iorquinos têm outros prazeres, ou a sua versão dos mesmos, como os piqueniques em que a piza ou outro tipo de comida é, por vezes, entregue pelo restaurante directamente no relvado do parque.

Mas se a energia contagiante do Verão faz a cidade vibrar de acordo com o lema da cidade "work hard, play hard", no mundo paralelo a Gotham está repleta de perigos e vilões. Estamos a falar de Gotham City, a cidade habitada por Batman, o herói criado pela DC Comics, ou mais uma das réplicas de Manhattan que é residência de heróis nos livros aos quadradinhos ou no pequeno e grande écrans. "The Dark Knight", o novo filme realizado por Christopher Nolan, estreou há poucas semanas. "I choose caos", diz o Joker, e, de facto, este filme está repleto de acção. Desta vez foram os arranha-céus de Chicago que deram forma a Gotham City, mas esta continua a ser inegavelmente a face fantástica de Manhattan, a ilha vulnerável que fica incomunicável quando os túneis ou pontes são bloqueadas e que se transforma numa massa de pânico quando as variadas explosões planeadas pelo Joker deitam por terra muitos dos edifícios e infra-estruturas. A densidade do filme é tal que a crítica da The New Yorker fala em post-movie stress disorder, a mim a verdadeira Gotham pareceu-me plácida depois de duas horas e meia de acção. Como que por magia, num efeito semelhante ao que senti quando regressei a Manhattan depois das minhas férias na Índia, as luzes, o trânsito e as pessoas em catadupa pareceram-me de uma ordem exemplar. Nesta última década a verdadeira Gotham tornou-se numa cidade segura, que não precisa de vigilantes encapuçados desde que os riscos não sejam equivalentes a um Joker psicopático, numa interpretação brilhante do falecido Heath Ledger. As nuances do discurso e dos trejeitos, a presença no ecrã e a intensidade da representação merecem bem o que muitos críticos de cinema aclamam como um muito provável Óscar póstumo.

Photo credit: Warner Bros. Pictures
[Publicado no Semanário Económico - 8 de Agosto, 2008]

Aug 2, 2008

NY Diaries 42: Em Busca do Tempo Perdido

Na era do marketing, em que para além de se promover uma empresa, uma ideia ou uma marca, se fala também de marketing pessoal, temos ainda um novo fenómeno, o marketing de uma cidade ou até mesmo de um país. Muitos dos circunstancialismos que transformaram cidades como Nova Iorque e Londres em grandes metrópoles e capitais financeiras podem até ter sido parcialmente conjunturais, no entanto, quando o statu quo é posto em causa, estas cidades contra atacam com muita garra e de uma forma estruturada.

O mundo está em constante ebulição e se na história da humanidade há vários exemplos de ascensão e queda de impérios, hoje, a supremacia económica substituiu o domínio pelas armas e falamos, antes, em super poderes. Os gigantes do século passado estão em xeque, não apenas devido ao rápido crescimento económico de países emergentes, mas, no caso de Nova Iorque, por outros centros financeiros, nomeadamente, pela cidade mais parecida com Nova Iorque em termos de tecido económico, cultural e social, ou seja, Londres. Aqui a rendição não é uma opção e por isso em Janeiro do ano passado foi publicado um estudo comissionado à consultora McKinsey por Michael Bloomberg, o Mayor de Nova Iorque, que visou identificar os factores de risco à supremacia de Nova Iorque como capital financeira do mundo e propor algumas recomendações para reverter os recentes sinais de alarme. Nessa altura, Londres estava ainda confortavelmente sentado na sua poltrona a colher os proveitos da queda ou iminente queda de Nova Iorque. Mas como muitas vezes o rei vai nu e o sol é de pouca dura, na semana passada foi anunciado que também Londres encomendou um estudo semelhante à mesma consultora.

Se as reformas necessárias podem bem ser estruturais, passando pela reforma da regulamentação dos mercados, a verdade é que, primeiro, a proeminência de Nova Iorque está em risco; segundo, tal risco foi identificado antes do facto consumado; e, terceiro, é mais fácil salvar o paciente enquanto o mesmo ainda não está em fase terminal. Que as campainhas de alarme soaram a tempo, é sintomático do espírito que está imbuído na cidade e que é igualmente uma das razões do seu sucesso. Que os pequenos choques se podem transformar num terramoto, também é verdade, e aí todas as áreas podem sofrer as consequências, desde os geradores de riqueza, como as áreas que beneficiam da mesma, ou seja, a indústria de serviços, imobiliária ou mesmo o mundo artístico que perderia muitos dos seus patronos. Ninguém neste lado do Atlântico gostou de ler o relatório, mas não vale a pena enfiar a cabeça na areia e ainda bem que Londres também não o está a fazer. Há que reagir e vender a cidade. Afinal, nós, os que estamos aqui, viemos por uma razão, essas razões ainda existem e todos queremos que continuem a existir. Que melhor cidade do que Nova Iorque para se adaptar…

[Publicado no Semanário Económico - 1 de Agosto, 2008]

Jul 26, 2008

NY Diaries 41: "A Little Bit of History Repeating"


Por vezes é como se o mapa-mundo tivesse sido dobrado em dois quando a tinta estava ainda fresca, fazendo passar os nomes de um lado do Atlântico para o outro. No espaço de poucos quilómetros podemos ver Amesterdão e Siracusa, sem termos que atravessar fronteiras ou adaptarmo-nos a outra língua. De entre as várias coisas que foram trazidas do velho continente, incluem-se, sem dúvida, os topónimos. Mas enquanto para quem tenha nascido aqui talvez não seja motivo de estranheza esta salada russa de nomes de cidades de outras paragens, para nós, europeus, a primeira imagem que vem à ideia é a do local original.

O fim-de-semana passado estive em Siracusa, na zona norte do Estado de Nova Iorque, não em Itália. Pessoalmente, imagino sempre o nome pronunciado em francês, na letra de Henri Salvador e na voz de China Forbes dos Pink Martini, mas esta Siracusa não tem mar, nem sol mediterrânico. O motivo da visita foi uma festa de "pós-casamento" de uns grandes amigos. É cada vez mais comum para casais de duas nacionalidades diferentes organizarem mais do que um copo de água, e, embora, muitas vezes a denominação da festa seja diferente, o objectivo é basicamente o mesmo, ou seja, partilhar o acontecimento com os amigos e familiares nas várias localizações. Na era da globalização é, por vezes, um desafio manter a tradição, mas essa mesma globalização faz tudo parecer mais perto e, no fundo, trata-se do mesmo fenómeno, embora com várias manifestações, o de aproximar o distante.

Na semana passada vi ainda a retrospectiva no Guggenheim de outra expatriada, esta de há muitos anos atrás. Louise Bourgeois nasceu em Paris em 1911 e mudou-se para Nova Iorque com o seu marido americano em 1938. Nesta mudança, o processo criativo funcionou ao mesmo tempo como uma forma de expressão e como um processo de assimilação da nova paisagem e dos novos papeis que Bourgeois começava a desempenhar, o de esposa e de mãe. Nas suas primeiras esculturas, formas solitárias em madeira, estreitas e compridas, denota-se a verticalidade dos arranha-céus que a rodeavam. Depois vieram outras formas e materiais, algo que a artista continua a explorar em Nova Iorque, onde continua a viver e a criar.

No entanto, não é só nos nomes das localidades ou no grupo dos expatriados europeus que a Europa se faz representar nos Estados Unidos. Com os preços da gasolina a atingirem preços estratosféricos os americanos estão gradualmente a render-se à evidência que conduzir carros enormes tem custos proporcionais ao tamanho dos mesmos. Neste momento, os carros mais pequenos de marcas europeias, como o Mini Cooper ou outros carros que nos são tão familiares nas cidades europeias, onde as ruas são mais estreitas, o estacionamento é escasso e a rapidez com que nos movimentamos no trânsito congestionado importa mais do que o tamanho do carro, são objecto de grande procura e já suplantaram as vendas de SUV's.

Retrospectiva de Louise Bourgeois no Guggenheim. Fotografia: The New York Times.

[Publicado no Semanário Económico - 25 de Julho, 2008]

Jul 12, 2008

NY Diaries 40: Nacionalismo e escapadelas num fim-de-semana prolongado


Nascida a 4 de Julho. Nesta data celebra-se a aprovação pelo Congresso da Declaração da Independência que marcou o cortar do cordão umbilical com Inglaterra e o nascimento de uma nação em 1776. Já passaram séculos, mas nas celebrações que um pouco por todo o país marcam esta data denota-se ainda uma euforia de novo mundo e a necessidade de cunhar uma identidade própria. Entre os cidadãos novos e a "velha guarda", descendentes de famílias que se estabeleceram aqui ainda antes dos Estados Unidos o serem, há várias formas de viver o acontecimento.

Em Washington, D.C., onde passei o meu primeiro 4 de Julho, a massa de pessoas está vestida a rigor, em azuis, vermelhos e brancos, com estrelas e chapéus, desfiles e fogo-de-artifício. Em Nova Iorque, talvez por causa dos muitos estrangeiros ou americanos de primeira geração, as demonstrações exteriores de nacionalismo são menos exuberantes. No entanto, as celebrações não são menos levadas a sério. O magnífico fogo-de-artifício sobre o East River atrai milhares de pessoas à cidade e está entre os melhores que se podem presenciar.

Mas o que seria um fim-de-semana prolongado sem uma escapadela da cidade, nem que seja apenas por um dia. É por isso que "o meu espírito me impele a falar de formas transformadas em novos corpos", numa tradução livre do verso de Ovídio na sua obra, Metamorfoses. Porque viajei à beira do Hudson, ladeada por uma imensidão de água, até Beacon, a Norte de Nova Iorque. Porque ali visitei o Dia, um museu de arte contemporânea com salas desafogadas dedicados a artistas como Donald Judd, Sol LeWitt, Andy Warhol ou Louise Bourgeois. Porque num espaço como este o melhor de dois mundos pode confluir. Foi, de facto, um privilégio poder assistir à actuação de uma das minhas companhias de dança favoritas, a Merce Cunningham Dance Company, com coreografia pelo que é considerado por muitos o melhor coreógrafo vivo, Merce Cunningham, por entre as Torqued Ellipses de um dos escultores que mais gosto, Richard Serra. O guarda-roupa dos bailarinos era em tons férreos, com motivos geométricos minimalistas inspirados pela traça das esculturas. Dentro de cada elipse estava um músico e o som ressoava modificado pelas enormes estruturas de metal. A extremidade de cada galeria estava aberta para o jardim circundante. Foi como passar uma tarde ensolarada na companhia de bailarinos que actuavam à nossa beira.

As actuações da Merce Cunningham Dance Company em espaços públicos não são uma novidade. Já os tinha visto actuar num espaço idêntico, embora de dimensões muito maiores, o Turbine Hall da Tate Modern, por entre a luz do "sol" ou The Weather Project do artista Olafur Eliasson, quando ainda morava em Londres. Estes bailarinos desafiam não só os limites da técnica da dança, como as barreiras espaciais entre espectador e bailarino, imergindo-se no ambiente circundante sem pejos.

Fotografias: The New York Times
[Publicado no Semanário Económico - 11 de Julho, 2008]

Jul 5, 2008

NY Diaries 39: A água toma novas formas

Manhattan é uma ilha em permanente transformação. Uns arranha-céus são deitados abaixo, outros são construídos, assumindo contornos mais ou menos extravagantes. Uma amálgama de betão, ferro e vidro com alguns oásis de verdura e contornada por uma linha de água. Poder vislumbrar a água em profusão traz frescura mental mesmo em dias de verão sufocantes, quando as temperaturas atingem o vermelho e a humidade se avoluma prestes a rebentar numa trovoada. São pequenos nadas que fazem toda a diferença. Afinal Manhattan é uma ilha, mesmo quando os prédios escondem a água. Uma ilha que, em Downtown, se pode atravessar a pé em 15 minutos. De um lado o Hudson, do outro o East River, cada um com uma personalidade e paisagem próprias. A água é energia em circulação, como que o continuar desta cidade vibrante. Mas o lençol de água que aparentemente corre quase imutável, também pode ser transformado.

Desde dia 26 de Junho que Manhattan tem cascatas. Estas, em vez de serem uma criação da natureza, são antes o produto da imaginação e esforço de Olafur Eliasson, o artista que trouxe o "sol" à Tate Modern, em Londres, e que constantemente transforma o que nos rodeia ou a forma como percepcionamos o que pensávamos ser quase imutável. Esta semana vi duas das cascatas de noite. Uma de longe, a do Pier 35, junto à Ponte de Manhattan e outra de perto, da varanda do Pier 17, que proporciona uma vista fantástica da Ponte de Brooklyn e, agora, da cascata debaixo da mesma, junto a um dos seus pilares. Ao todo são quatro as cascatas que transformam a paisagem da cidade durante este verão.

Não é a primeira vez que um mega projecto de arte toma os espaços públicos da cidade. Em 2005, The Gates, obra dos artistas Christo e Jeanne-Claude, invadiram o Central Park de tons de laranja, ainda antes de eu me ter mudado de Londres para Nova Iorque. Desta vez, no entanto, pude experienciar ao vivo a natureza em forma de arte, se assim se pode definir a simulação de um fenómeno natural para fins estéticos ou filosóficos, quase como se de uma obra-prima acidental se tratasse, na terminologia do livro homónimo de Michael Kimmelman, critico de arte do The New York Times, que ando a ler.

O efeito é impressionante. Há poucos fenómenos mais poderosos do que a força da água em queda livre, uma manifestação ao mesmo tempo de força e de paz. É como trazer um pedaço de paraíso à turbulência da cidade. Uma visão idílica que no momento da contemplação consegue apagar todos os ruídos da cidade e que automaticamente nos relaxa do ritmo intensíssimo de um dia de trabalho. Depois, "the show must go on", as cascatas são desligadas às dez da noite, mas a Ásia está a começar o dia e ainda há que tratar dos assuntos urgentes com esta parte do mundo antes que o nosso botão possa ser desligado.

Fotografia: Vincent Laforet para o The New York Times

[Publicado no Semanário Económico - 4 de Julho, 2008]

Jun 21, 2008

NY Diaries 38: Brasil - O Novo Pulsar

O Brasil é sinónimo de cor, ritmo, exotismo e tropicalismo, entre tantos outros atributos e movimentos. Mas o que move o Brasil de hoje não é um novo ritmo musical, é, antes, a reinvenção do próprio país. Sente-se no ar um sentimento de oportunidade, o mote que moveu os antepassados dos brasileiros para outras paragens, incentiva hoje o brasileiro a ficar, batalhar e prosperar. Como dizia um taxista que me conduziu ao aeroporto em São Paulo, todos estão um pouco melhor, os que não tinham que comer ou os que não tinham carro, hoje têm, os que nunca tinham viajado, hoje já o podem fazer. Apesar dos contrastes, denota-se o florescer de uma classe média. Rico naquilo que o mundo de hoje procura, como matérias-primas, recursos naturais e biocombustíveis, o Brasil ganhou finalmente na lotaria.

Um país em expansão precisa também de uma metrópole a condizer. São Paulo, enorme na sua magnitude de mais de 20 milhões de habitantes, é a maior cidade e o maior centro financeiro da América Latina. Uma cidade que pude finalmente explorar melhor numa recente viagem de negócios ao Brasil para falar numa conferência e para reuniões. A cidade é o epicentro da cena artística brasileira, onde diversas galerias e museus convergem para mostrar a arte que se faz e a que se colecciona no Brasil. O Museu de Arte de São Paulo na Avenida Paulista é um must, na sua forma de caixa suspensa, num desafio aos conceitos de estética tradicionais e às leis da gravidade. Outro oásis de arte e, também, de vegetação, é o parque Ibirapuera onde se encontra o Museu de Arte Moderna, actualmente com uma exposição temporária intitulada Quando vidas se tornam forma: diálogo com o futuro – Brasil / Japão, parte das comemorações dos 100 anos de imigração japonesa no Brasil.

E que mais se pode fazer em São Paulo? Tudo. Uma cidade de excelentes restaurantes, com influências dos quatro cantos do mundo, cuja cozinha é complementada com a arte de bem receber, como só no Brasil. Um banho de compras na Meca do luxo, ou a Daslu, uma mansão maior do que o Bergdorf Goodman Nova Iorquino, onde se vende de tudo, desde roupa a Iates. O bairro dos Jardins, para as grandes marcas internacionais e para os estilistas locais, com lojas como a Galeria Melissa, uma sapataria com a entrada coberta com painéis de arte que mudam a cada três meses; a Rosa Chá, para fatos de banho e afins, pois há verdadeiros achados que não são exportados; ou ainda o Clube Chocolate, para uma mistura entre o produto local e o importado.

Que mais? O brasileiro adora futebol, mesmo que seja a "copa" europeia. Não se fala de outra coisa, afinal, sempre há Portugal para apoiar.

[Publicado no Semanário Económico - 20 de Junho, 2008]

Fotografias: Museu de Arte de São Paulo (canto superior esquerdo) e Galeria Melissa (em cima).

Jun 14, 2008

NY Diaries 37: Sexo e a Cidade

Sexo e a Cidade - o filme, está finalmente em cartaz nos Estados Unidos e em Nova Iorque. O filme, homónimo da série televisiva que estreou em 1998, continua fiel ao formato da série, centrando-se nas aventuras das mesmas quatro protagonistas, Carrie (Sarah Jessica Parker), Samantha (Kim Cattrall), Charlotte (Kristin Davis) e Miranda (Cynthia Nixon). O filme surge, no entanto, quatro anos depois, no seguimento de um mega sucesso televisivo que atravessou fronteiras e culturas. Uma série que contribuiu como nenhuma outra nos tempos mais recentes para o estatuto de estrela que Nova Iorque usufrui entre as grandes metrópoles cosmopolitas.

Embora os restaurantes da moda mostrados tanto no grande como no pequeno ecrã e muitas das referências do enredo sejam nova-iorquinas, o substrato é universal e esse foi também transposto para o cinema. Estamos a falar de mulheres em busca de sucesso numa grande cidade. Estamos a falar de amizade, de amores e desamores, de quebra de tabus, de cair por terra e agarrar os pedaços, reerguer e continuar em frente. Estamos a falar de esperanças, realizações e também, por vezes, de desapontamentos. Estamos a falar do dia-a-dia numa metrópole e se embora nem todas as referências na série sejam o espelho exacto da realidade de muitas mulheres fora de Manhattan, uma coisa é certa, O Sexo e a Cidade apela ao imaginário feminino e ao que constituem as preocupações das mulheres.

As opiniões sobre o filme dividem-se e fazem-se comparações mais ou menos abonadoras entre o filme e a série televisiva. Seja o filme melhor ou pior do que a série, esse não é o ponto. O filme veio dar resposta à procura. Ou seja, quem seguia a série achava que a estória não podia ficar por ali. Sim, procuravam-se vestidos de noiva para a Carrie e o desfecho da sua estória de amor/desamor e, de facto, o filme inclui muitos vestidos de noiva. Mas o que o filme mostra é a mulher noutro estágio de vida, mais instalada, não tanto em busca de amor, mas a viver esse amor e a tentar conciliar as exigências da vida moderna e da carreira com esse lado da sua feminilidade. Aí, mais uma vez a mensagem atravessa fronteiras. Se quando assisti à estreia do filme em Nova Iorque o público sentiu que aquele filme era para si, que celebrava o seu estilo e modo de vida nova-iorquinos. Esta atitude sente-se também um pouco pelas salas de cinema de todo o mundo. O filme acabou de estrear no Brasil, precisamente quando me encontrava em viagem de negócios em São Paulo, outra grande metrópole em que o filme está a fazer furor. Tal como o New York Times, a Folha de S. Paulo comparou a realidade com a ficção, incluindo testemunhos de várias mulheres que de uma forma ou de outra se identificavam com as quatro protagonistas.

[Publicado no Semanário Económico - 13 de Junho, 2008]

Jun 7, 2008

NY Diaries 36: Tradição

A tradição diz que o fim-de-semana do Memorial Day coincide com o começo não oficial do Verão. Pois, este ano, o tempo fez jus à tradição e no último fim-de-semana de Maio o tempo em Nova Iorque esteve glorioso. No fim-de-semana do Memorial Day inaugura-se tudo o que o Verão traz de bom, sejam os fins-de-semana nos Hamptons, os jantares ao ar livre, as explanadas ou, simplesmente, os piqueniques no parque.

Dita ainda a tradição que cada dois anos o Whitney Museum abre as portas à arte contemporânea americana. A visita ao Whitney para ver as actuais tendências no mundo da arte é um ritual quase obrigatório. Da história da bienal constam nomes incontornáveis da cena artística actual como Chuck Close, Jeff Koons, Cai Guo-Qiang ou Kiki Smith. Este ano a mostra é mais pequena do que em anos anteriores e a tónica é colocada em obras especialmente comissionadas para a bienal. Nota-se também um maior número de trabalhos audiovisuais. Entre as obras que considero de destaque contam-se as esculturas/quadros de John Baldessari, em invocação de temas surrealistas, ou os torsos de James Welling. No final, uma visita rápida à colecção permanente da Whitney para revisitar os eternos Hoppers.

Ainda para fazer jus à tradição, no passado dia 20 de Maio corri mais uma vez a Wall Street Run. Este ano, literalmente de Wall Street para a Wall Street Run ou directamente de reuniões na famosa rua para a corrida. Aqui, os eternos adversários na banca ou na consultoria esquecem as rivalidades e correm para uma causa comum, neste caso, angariar fundos para a American Heart Association. No fim, mais uma missão cumprida, e isso é o que verdadeiramente importa.

A tradição também diz que uma vez por ano a marinha e a guarda costeira Norte Americanas assentam arraiais na cidade. A chamada Fleet Week decorreu este ano entre 21 e 28 de Maio. Durante este período, a cidade encontra-se repleta de marinheiros em terra que não só se misturam com os "civis" e com o tecido da cidade, como também recebem a própria cidade que acolhem a bordo de muitos dos barcos participantes.

Para encerrar, e ainda de acordo com a tradição, celebrou-se no passado dia 24 de Maio os 125 anos da ponte de Brooklyn. Objecto de quadros, fotografias ou cena de filmes, com os seus arcos em estilo gótico, esta ponte suspensa é mais do que uma simples ligação entre Brooklyn e Manhattan, é, essencialmente, um símbolo da cidade. Assim, de acordo com o seu estatuto de "menina dos olhos" da cidade, a ponte vestiu-se de gala. Toda a gente esteve lá e a festa durou vários dias.

"City of ships!(O the black ships!
O the fierce ships!
O the beautiful sharp-bow'd steam-ships and sail-ships!)
City of the world! (for all races are here,
All the lands of the earth make contributions here);"

Walt Whitman, Leaves of Grass


[Publicado no Semanário Económico - 6 de Junho, 2008]

May 24, 2008

NY Diaries 35: Super-Heróis

"We're metaphors. We always come in the colour and shape of your imagination."

- Femi Osofisan


Os mercados financeiros continuam em convulsão e ainda não se vê o fundo ao saco das perdas financeiras. Os efeitos em cascata que, eventualmente, resultarão desta última crise são ainda desconhecidos. Os preços do cabaz de compras de qualquer país não param de aumentar e as revistas e jornais estão repletos de artigos sobre como poupar ou sobreviver à recessão. Este é o contexto, qual é a solução?

Talvez seja caso de chamar os super-heróis. Seres deste e de outro mundo, com super poderes e a solução para quase tudo, os super-heróis surgiram precisamente no final dos anos trinta, nos anos entre a crise de 1929 e a segunda guerra mundial. Não é em vão que se traça o paralelo entre a presente crise e os eventos de 1929. Ironicamente, Ben Bernanke, o actual presidente do Fed, durante a sua carreira como economista, dedicou uma especial atenção à grande depressão. Mas enquanto a economia ainda não está salva, há que despertar a imaginação e fazer acreditar que tudo é possível.

Este é justamente o mote da nova exposição do Costume Institute patente no Metropolitan Museum of Art. Superheroes: Fashion and Fantasy, não é apenas uma exposição sobre moda, é uma exposição sobre metamorfosear a existência, desafiar as barreiras da imaginação, recriar a pele e desafiar os limites do convencional. Será esta a resposta da moda à crise económica? A moda, tal como o super-herói, proporciona um amplo espectro de possibilidades para reinvenção e transformação do eu. Depois, quando os heróis reais já não nos convencem, podemos sempre apelar ao mundo do fantástico. Para dar as boas vindas aos visitantes, um exemplar da Pop Art, o movimento que melhor se inspirou na banda desenhada -- o super-homem por Andy Warhol. O que se segue são interpretações do mundo paralelo criado pelos livros aos quadradinhos pelo mundo do grande ecrã e da moda. Desde o fato usado por Keanu Reeves no papel de super-homem ao usado por Michelle Pfeiffer como Mulher Gato, lado a lado com criações dos grandes estilistas, as escolhas são inúmeras.

No fundo, uma celebração dos valores americanos e da cidade de Nova Iorque. Os super-heróis não personificam apenas os símbolos, os valores e os ideais da sociedade americana e da supremacia do bem sobre o mal, tal como se encontram vertidos na Declaração da Independência ou na Constituição. O habitat natural do super-herói é Nova Iorque. Por exemplo, o Capitão América nasceu no Lower East Side, o Homem Aranha em Queens e os Vingadores operam em Nova Iorque, numa perfeita simbiose entre a vinheta e a cidade, ou não tivesse a indústria americana da banda desenhada nascido aqui.


Imagens: Superman, Andy Warhol (topo) e fotos da edição de Maio da Vogue U.S.

[Publicado no Semanário Económico - 23 de Maio, 2008]

May 10, 2008

NY Diaries 34: E Maio começou assim...

No princípio de Maio o resto do mundo entrou numa onda de revivalismo pelos quarenta anos do Maio de 1968. Relembraram-se os protestos dos estudantes em França contra o autoritarismo e o militarismo e a mudança de valores que o movimento representou, mas nos Estados Unidos não houve feriado ou qualquer outra celebração especial. Aqui os eventos do Maio de 68 também marcaram uma geração, a dos chamados baby boomers que estão agora a começar a reformar-se num sistema de segurança social, também aqui, à beira da falência, mas a semana em Nova Iorque não teve fim-de-semana prolongado nem êxodo para outras partes. Foi antes, sim, tempo de receber visitas de outros países, onde os dias extra convidaram a uma cruzada por outras paragens.

Uma amiga que vive em Madrid veio visitar-me, mas nem o facto de esta ser a sua terceira viagem a Nova Iorque obstou a que a lista de to dos fosse maior do que os dias disponíveis, o que, realmente, acaba por ser o estado permanente quer dos habitantes como dos visitantes desta cidade. A lista de eventos e locais indispensáveis não pode deixar de incluir a festa com que os Nova Iorquinos dão as boas vindas a cada mês, ou seja, as primeiras sextas-feiras no Guggenheim, onde passeámos no meio de falsas feras embalsamadas, carros supostamente em explosão e outras instalações de Cai Guo-Qiang. No dia anterior tínhamos ido jantar a um dos meus restaurantes favoritos, o Gemma, no Bowery Hotel, um espaço com imenso charme onde felizmente não se aceitam reservas e com um bar onde é um prazer esperar pela mesa. Durante o jantar, um amigo que cresceu em Nova Iorque e, portanto, com conhecimento de causa, recomendou como must do o Tribeca Film Festival a decorrer até 4 de Maio. É impossível conseguir bilhetes para o festival, mas a recomendação vinha com uma oferta de bilhetes para qualquer filme e qualquer sessão. O Tribeca Film Festival é o nosso Cannes, um festival fundado em 2002 por Robert de Niro e Jane Rosenthal como resposta aos ataques de 11 de Setembro e com o intuito de revitalizar a zona de TriBeCa e de Lower Manhattan. A cerimónia de entrega dos prémios tinha decorrido no dia 1 de Maio e por isso escolhemos assistir à sessão especial de Domingo dedicada ao filme vencedor do Best Narrative Feature, o equivalente ao melhor filme nos Oscars. O filme, Let the Right One In, baseado no livro homónimo de John Ajvide Lindqvist e realizado pelo sueco Tomas Alfredson, é ao mesmo tempo uma história sobre o despertar para a adolescência e sobre vampiros, num misto de ternura e de terror.

Ainda no Domingo "levámos o nosso tempo" a ver Take Your Time, a nova exposição de Olafur Eliasson patente no MoMA e no P.S. 1. A exposição pede contemplação e ao mesmo tempo interacção, possibilitando experiências que vão desde tocar um arco-íris, a cobrirmo-nos de cores numa projecção caleidoscópica que enche uma sala ou a maravilharmo-nos com partículas de água que parecem congeladas no ar por meio de ilusão óptica.



Olafur Eliasson, Negative quasi brick wall (2003)

Photo by RT

[Publicado no Semanário Económico - 9 de Maio, 2008]

May 3, 2008

NY Diaries 33: A Primavera e a Cidade

Numa sociedade obcecada com encapsular no tempo os melhores anos, em reverter o relógio ou em encontrar a fonte da eterna juventude, por vezes fica esquecido nos posters publicitários que um movimento no ponteiro do relógio para a direita significa também o adicionar de mais uma memória, que há coisas que só o tempo dá e que não são só os vinhos melhoram com o passar dos anos. Já mencionei várias vezes nesta coluna que os Nova Iorquinos vivem a um ritmo alucinante. Quando assim é, poderíamos pensar que não há um segundo olhar sobre as coisas, que não há o verdadeiro apreciar de cada momento, de cada detalhe ou do sítio onde se está. Pois eu nunca antes tinha vivido numa cidade em que as pessoas estivessem verdadeiramente apaixonadas pela sua cidade, quase ao ponto de terem que se beliscar todos os dias para se assegurarem de que é mesmo verdade que fazem parte do que consideram ser a melhor cidade do mundo.

Já vivi em Lisboa, já vivi em Londres e, esta última, tem muitas das características também atribuídas a Nova Iorque, mas nunca ouvi um Londrino dizer, como ouço ao Nova Iorquino, que vive na melhor cidade do planeta. Sim, uma "óptima cidade", "cosmopolita", mas a frase, "esta é a melhor cidade do mundo", não, isso nunca ouvi. Talvez porque na Europa soasse a falsa modéstia. Aqui, chamam-se as coisas pelos nomes. Goste-se ou não se goste, olha-se olhos nos olhos e diz-se o que se pensa. Aqui, param-se as pessoas na rua para se comentar uma saia, ou uns sapatos, ou interrompe-se a conversa de uma desconhecida no telemóvel para se descobrir qual é o perfume que a desconhecida usa. Por vezes chega-se a extremos, sem dúvida, mas estas e outras foram experiências que tive em primeira mão. No início surpreenderam-me, mas talvez porque antes de mudar para Nova Iorque vivi no Reino Unido, um país com inúmeras barreiras culturais à auto-expressão.

Na semana passada a cidade esteve vibrante com um sol radioso e em espírito de celebração da Primavera. Já se podia fazer jogging à beira rio ao fim do dia sem congelar. Fiquei atónita com a quantidade de pessoas de câmara fotográfica na mão ou de equipas de filmagem e outras menos profissionais que registavam o pôr do sol. O Hudson estava no pleno do seu esplendor, com Jersey City na outra margem, recortada pela bola de fogo que aos poucos era engolida pelos arranha-céus, a lembrar cada vez mais um negativo de Manhattan. Neste contexto, o cinzento de Jasper Johns: Gray, a exposição que vi no sábado no MET, quase que pareceu uma contradição. Mas ver as formas e os motivos típicos de Jasper Johns em tons de metal foi muito especial. Depois, há sempre a cor dos impressionistas e uma incursão pelas novas galerias de arte contemporânea do MET para ser Primavera lá dentro também.

Jasper Johns, False Start (1959)

[Publicado no Semanário Económico - 2 de Maio, 2008]

Apr 26, 2008

NY Diaries 32: Satyagraha

Acabada de aterrar de mais uma viagem à Europa, e aqui, ao designar a Europa no colectivo em vez de me referir a um país em específico, demonstro já uma influência americana, não precisei de um avião para voltar a partir rumo à Índia, onde estive no início deste ano. Viajei antes com a música, as imagens e as referências filosóficas do libreto de Satyagraha que invocaram memórias da minha viagem -- a memória dos últimos passos de Mahatma Gandhi em direcção ao seu assassino que vi demarcados no chão da sua última morada em Deli; a memória do local onde foi cremado, o Rajghat, marcado por uma pedra de mármore preta em forma de altar quadrado; e a memória da casa onde costumava ficar na antiga Bombaim, hoje convertida num museu em sua homenagem. Mas Satyagraha, a ópera da autoria de Philip Glass, aconteceu em Nova Iorque, não na Índia.

A nova produção de Satyagraha, uma co-produção entre a English National Opera e a Metropolitan Opera, teve a sua estreia em Nova Iorque na sexta-feira, dia 11. Uma visita à ópera em Nova Iorque é sempre especial. Os três edifícios imponentes, dedicados à música, ao ballet e à ópera, que compõem o Lincoln Center, conferem só por si uma atmosfera solene a qualquer visita. Por seu turno, o Nova Iorquino, em geral, veste-se de gala e segundo as últimas tendências da moda para o acontecimento. É comum ver vestidos de noite compridos, como se de uma feira de vaidades se tratasse. Mas dentro daquelas paredes homenageia-se, acima de tudo, a música e o canto.

Numa semana em que o Papa visitou Nova Iorque e sublinhou perante a Assembleia das Nações Unidas que o respeito pelos direitos humanos é essencial para o mundo. Satyagraha, a palavra em sânscrito para força da verdade, é precisamente sobre a luta de Gandhi pelos direitos humanos e a sua filosofia da não agressão como forma de protesto. A ópera é integralmente em sânscrito, com libreto inspirado pela vida e escritos de Gandhi e pelo Bhagavad Gita ou canção do senhor, um texto religioso Hindu que faz parte do épico clássico da Índia, o Mahabharata. A mensagem é intemporal mas esta produção reinventa a ópera de Glass de uma forma ao mesmo tempo surpreendente e inovadora. Resultado de uma colaboração entre dois artistas contemporâneos, Phelim McDermott e Julian Crouch, a cenografia está repleta de pormenores que providenciam uma nova dimensão à obra, como os novos materiais utilizados, as marionetas gigantes e ao facto do texto ser projectado no próprio cenário. No final, uma ovação de pé quando Philip Glass veio ao palco, também ele um Nova Iorquino. Em paralelo, a cidade reverbera com eventos ligados a Satyagraha, desde exposições, fóruns de debate e mega campanhas publicitárias, numa hiperactividade que só em Nova Iorque.

"Be the change you want to see in the world"
Mohandas Karamchand Gandhi

[Publicado no Semanário Económico - 25 de Abril, 2008]

Apr 12, 2008

NY Diaries 31: Facilitar a Navegação

Como eterna atrasada na leitura da revista New Yorker, normalmente aproveito as viagens de avião de longo curso para por a leitura em dia da dita. Esta passada sexta-feira, enquanto esperava por um voo para Londres, foi com espanto e um certo grau de simpatia pelos companheiros de "infortúnio" que vi um ou outro número atrasado da New Yorker a serem lidos à minha frente. No meu caso, o tempo de espera na porta de embarque por um voo de fim de noite num JFK calmo revelou-se não apenas uma excelente oportunidade de acabar de ler o jornal do dia e os números atrasados da New Yorker, mas também para escrever os últimos e-mails antes da partida -- os menos urgentes que puderam esperar até ali ou aqueles que iam garantir que segunda-feira não descarrilasse devido à minha ausência. Aqui, denota-se outra dependência Nova Iorquina, o BlackBerry, numa relação, em geral, de amor / ódio. Eu confesso que não vivia sem o objecto. Por vezes trata-se de uma relação temperamental, do género "ora logo agora é que havias de dar sinal de vida" ou do tipo, "ainda bem que existes, pois caso contrário teria que andar sempre de computador portátil atrás". Aqui, em vez de se desejar boas férias deseja-se também que sejam umas férias em que o famoso aparelho possa ficar em casa. Eu nunca o deixo para trás, pois só com o BlackBerry consigo estar descansada que se algo urgente acontecer na minha ausência eu vou saber e poder reagir. Mas claro, como em tudo, há os verdadeiramente dependentes e para esses decerto que vão inventar alguma terapia ou não estivessem os Nova Iorquinos tão à vontade com a psicanálise.

Chegada a Londres, em trânsito em Heathrow para transferir para um voo da British Airways, constato com um misto de alívio e de desapontamento que não tenho que partir do Terminal 5. Se por um lado estava curiosíssima para ver ao vivo o novo terminal que fez tanto furor nas semanas que antecederam à sua recente inauguração e que cujo lançamento da primeira pedra eu acompanhei quando vivia em Londres; por outro lado, tive oportunidade de ler as noticias mais recentes sobre o fiasco da abertura e da desorganização que ali ainda impera, levando muitos business travelers a procurarem, por agora, percursos ou meios de transporte alternativos. Heathrow tinha ainda mais boas noticias para quem, como eu, se vê de quando a quando em trânsito neste aeroporto. As medidas de segurança já estão um pouco mais razoáveis, já não se tem que tirar o computador portátil do saco, descalçar os sapatos ou consolidar todos os volumes de mão num único item, incluindo a mala de senhora. Assim, em vez de um aeroporto em que por vezes apetece ter asas, tais como os anjos de Cai Guo-Qiang e Lin Hwai-Min em Winds Shadow, o espectáculo que vi na véspera da minha partida de Nova Iorque, experienciei, finalmente, um Heathrow em que se consegue navegar.

[Publicado no Semanário Económico - 11 de Abril, 2008]

Mar 29, 2008

NY Diaries 30: A Páscoa em Nova Iorque

A Páscoa este ano chegou à cidade no rescaldo da capitulação de um dos cinco maiores bancos de investimento. Para a capital financeira dos Estados Unidos e, para muitos, ainda do mundo, o colapso do Bear Stearns e a iminência de colapso de outro dos cinco grandes, o Lehman Brothers, deixou um sabor amargo na boca da maioria dos Nova Iorquinos e acordou memórias de outros eventos semelhantes, não tão distantes, como o fim da Enron e da Andersen. O fim-de-semana de Páscoa, prolongado para os mercados financeiros, mas um fim-de-semana de dois dias apenas para a maioria de nós, foi merecido e necessário, para acalmar os ânimos dos que tiveram que navegar a montanha russa dos principais índices na semana que antecedeu à Páscoa.

Nos Estados Unidos, com excepção do Natal, não há feriados religiosos. Foi mais uma daquelas datas em que não se sabe muito bem se havemos de desejar boa Páscoa ou apenas bom fim-de-semana. Acabei por desejar bom Domingo aos que sabia que não celebravam a Páscoa ou em relação aos quais não tinha a certeza de celebrarem ou não, só porque achei que não podia deixar a data em branco.

Por seu turno, notava-se que era época de feriados noutros países. O fim-de-semana prolongado e o dólar em saldo foram factores que certamente contribuíram para eleger Nova Iorque como o destino para umas míni férias. Havia multidões de estrangeiros a passear na 5.ª Avenida no Sábado, numa invasão às lojas e às outras atracções da cidade. Por momentos, pensei que estava de volta a Londres dadas as vezes que ouvi o sotaque britânico nas ruas. No meu caso, as amêndoas que recebo todos os anos de Portugal nesta altura chegaram com um dia de atraso, mas não deixou de ser Páscoa de acordo com a tradição. Na primeira vez que visitei Nova Iorque, há muitos anos atrás, era ainda estudante e vim com colegas. Já então éramos um grupo eclético e enquanto uns começaram o dia mais tarde, outros, como eu, levantaram-se muito cedo para irem à missa a St. Patrick's. Depois, seguiu-se um passeio de barco à volta de Manhattan na Circle Line e um almoço de take away chinês em Central Park. St. Patrick's continua a fazer parte da tradição da minha Páscoa em Nova Iorque desde que troquei Londres por esta cidade. Este ano seguiu-se um brunch com amigos na West Village, no Café Cluny. O brunch de Domingo é um hábito tipicamente Nova Iorquino, mas este Domingo os sítios para brunch estavam particularmente cheios. Será pelo sol radioso que apesar do frio convidava a sair de casa, ou será que, apesar de tudo, ainda há muitos Nova Iorquinos que celebram a Páscoa? Talvez pelas duas razões, mas não deixou de ser um Domingo divinal, como só em Nova Iorque.

[Publicado no Semanário Económico - 28 de Março, 2008]

Mar 15, 2008

NY Diaries 29: A Cor e a Cidade

As cores de uma cidade inebriam os sentidos e passam ao mundo do subconsciente onde ficam e marcam cada novo olhar e cada memória. Nova Iorque, por vezes, é cinzento, marcado pelo aço dos arranha-céus que emolduram as ruas, por vezes verde do Central Park e doutras praças ajardinadas. Acima de tudo, o que marca a cidade durante a maior parte dos dias do ano é a luz, uma luz brilhante, cristalina e vibrante que inspira os artistas e ilumina a alma dos seus moradores. As cores da cidade também se manifestam de noite, os néons de Time Square, as cores que iluminam o topo do Empire State Building, cujo calendário das combinações para cada semana constam das notícias locais, e as iluminações de outros prédios que assim adquirem uma identidade própria e contribuem de uma forma muito particular para a paisagem nocturna de Manhattan.

A Primavera, no entanto, é ainda uma esperança distante, mas os New Yorkers não só a desejam desesperadamente, como a celebram de várias formas. A Primavera este ano é auspiciosamente colorida, de tons fortes e contrastantes, inspirada pelos anos setenta e pelo famoso Studio 54, a discoteca nova iorquina que fez furor nesta década que continua a ser inspiração. Mas estas são as formas para a estação que se podem ver mais nas montras do que ao vivo, porque o frio ainda não permite que a roupa mais amena assuma o papel de protagonista. Por sua vez, o museu de arte moderna presta homenagem à cor na exposição Color Chart: Reinventing Color, 1950 to Today. Desde a zona da entrada junto ao acesso às galerias dos pisos superiores que adquiriu uma nova textura com uma instalação de Jim Lambie que cobre o chão de tiras de fita adesiva multicor, num padrão de linhas continuas. À própria exposição, na zona dedicada a exposições temporárias no sexto andar, que invoca memórias de infância em que me deliciava a experimentar e a desafiar a palete das cores possíveis com aguarelas, guaches ou lápis de cor e de cera. Aqui a cor é mostrada na sua forma pura, tanto nos mostruários de tintas gigantes de Gerhard Richter, como nos quadros de Frank Stella em que a cor é aplicada sem quaisquer adições ou misturas, tal como vem da loja. Esta exposição explora uma tendência, patente na segunda metade do século XX, para usar a cor como um produto comercial e estandardizado em desafio ao conceito de expressão artística através da manipulação individualizada da cor que, por vezes, se tornava a própria imagem de marca do artista.

Mas enquanto o regresso aos pincéis nos intervalos da vida de consultora não acontece, podemos sempre imaginar como Pamuk que as palavras são o nosso meio para dar cor à realidade: "From the moment he begins to use words like colors in a painting, a writer can begin to see how wondrous and surprising the world is, and he breaks the bones of language to find his own voice." (Other Colors: Essays and a Story, 2007).

Jim Lambie - Instalação de Fita Adesiva no Chão

[Publicado no Semanário Económico - 14 de Março, 2008]

Mar 8, 2008

NY Diaries 28: Globalização ou a arte de pôr a (nossa) marca no mundo

No momento em que a economia se contrai, a própria noção de globalização é mais fortemente escrutinada e os seus benefícios questionados. Países como a França mantêm-se proteccionistas na alma ou, pelo menos, na alma dos seus políticos, mas há muito que um crescente número de empresas, até mesmo as francesas, de todos os quadrantes e áreas de actividade, compreenderam as teorias de economistas dos séculos XVIII e XIX como Adam Smith e David Ricardo. O mundo é o tabuleiro de xadrez onde se delineiam estratégias e se conquista. Nesta era em que as fronteiras são cada vez mais efémeras, a influência de um país no mundo pode assumir várias formas. No caso de Cai Guo-Qiang, artista Chinês que já viveu e trabalhou no Japão e que agora vive em Nova Iorque, a forma de deixar a sua marca no mundo transcendeu a trilogia tradicional que consiste em escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho e assumiu, talvez, uma forma mais efémera, mas não menos transformadora. O seu principal meio de expressão é a pólvora, inventada na China e que em Chinês significa, literalmente, "medicamento de fogo", que Cai utiliza de forma magistral, como que se a tentar controlar o incontrolável, tal como na letra de Discotheque dos U2 "You can reach / But you can't grab it / You can hold it, control it / No, you can't bag it".

O próprio Guggenheim que é um verdadeiro museu multinacional com presença também fora dos Estados Unidos, em cidades como Bilbau, Berlim e Veneza, tem neste momento em mostra em Nova Iorque uma exposição dedicada a Cai Quo-Qiang, a primeira retrospectiva dedicada pela instituição a um artista Chinês. A exposição tem em mostra três tipos de trabalhos, instalações, como Inopportune: Stage One (2004) que consiste em nove carros verdadeiros suspensos desde o tecto até ao átrio central do museu em progressão, como que se a encenar os vários estágios de uma explosão; eventos que envolvem verdadeiras explosões que decorreram desde 1989 em mais de vinte cidades por todo o mundo e que são apresentadas em vídeo; e desenhos feitos de explosões de pólvora sobre papel. Cai é considerado por alguns um artista conceptual, mas qualquer tentativa de classificação fica sempre aquém da versatilidade do seu trabalho que desafia as fronteiras tradicionais entre arte, história e filosofia. Apesar de ser um artista internacional, Cai cresceu durante a revolução cultural chinesa e o seu trabalho inclui motivos relacionados com episódios da história da China e denota influências da ideologia Maoísta e do confusionismo.

O que é preciso perceber é que as vantagens resultantes da globalização não se anulam, mas somam-se. Assim como um trabalho artístico produzido em Nova Iorque pode patrocinar a China, também um produto produzido por encomenda na China pode resultar numa margem de lucro de 1.5% para a empresa que o manufactura e em 53% de margem para as empresas que o distribuem nos Estados Unidos ou na Europa.


[Publicado no Semanário Económico - 7 de Março, 2008]

Feb 23, 2008

NY Diaries 27: A Política e a Cidade

Se Washington, D.C. vive para a política, Nova Iorque vive para sacudir a política. Não de forma metódica e obsessiva, mas pelo simples facto de manifestar as opiniões que, na sua maioria, estão em discordância com a maioria dos Estados Unidos numa dicotomia litoral/interior.

Na passada segunda-feira celebrou-se o Presidents Day em nome de George Washington e Abraham Lincoln e, em termos mais amplos, em nome da instituição da presidência. Os ânimos andam ao rubro pelo país fora, mas nestas últimas semanas Nova Iorque teve a sua dose reforçada de adrenalina. Começou com a vitória dos New York Giants no campeonato nacional do futebol americano, a Super Bowl, e com a recepção dos mesmos no seu regresso à cidade com uma ticker-tape parade com muitos confetti e papel, algo que já não se via em Manhattan desde 2000. Na mesma semana decorria a New York Fashion Week; Madonna e a Gucci aliavam esforços e invadiam um dos relvados da sede das Nações Unidas para uma mega festa de angariação de fundos a favor da UNICEF e da Raising Malawi: Orphan Care Initiative, fundada por Madonna; a Gucci abria a sua maior loja do mundo na Trump Tower; e Nova Iorque ia a votos para as primárias do Estado na chamada Super Tuesday, onde muitos pensavam que depois de votarem vinte e quatro Estados num só dia tudo ia ficar decidido.

Não ficou, os democratas ainda se encontram divididos entre a tradição Clintoniana e o apologista da mudança possível, Barack Obama, enquanto que os republicanos, esses sim, estão cada vez mais próximo de um candidato final. Este é o cenário, mas se enquanto a política para Nova Iorque é um meio, para D.C. é um fim em si mesma. Na semana passada, depois de um forte nevão tive que apanhar o comboio expresso para uma reunião de trabalho em D.C., em vez do avião. Nova Iorquina, sento-me com o meu Financial Times que me aguarda todos os dias excepto ao Domingo e feriados à saída da porta e concentro-me em ver como é que os meus clientes multinacionais se estão a sair nesta caixinha de surpresas que se tornou a fase de tumulto económico-financeiro que estamos a atravessar. Há vozes discordantes quanto à separação ou casamento das economias do resto do mundo com a economia dos Estados Unidos, fala-se de mais flutuações dos mercados e, sim, também em política. Por seu turno, o senhor que se sentou à minha frente, lobbyista ou político de profissão de D.C., carregava um saco com os jornais do dia e perscrutava as suas páginas à procura do comentário do dia político anterior, intercalando com uma chamada ou outra sobre espaços na imprensa para o dia seguinte. O senhor ao meu lado perguntava se alguém tinha acreditado há uns meses atrás que os republicanos estariam tão próximo de ainda terem alguma hipótese. Enfim, respirava-se e falava-se política. Business as usual é, de facto, muito diferente para as duas cidades.

[Publicado no Semanário Económico - 22 de Fevereiro, 2008]

Feb 16, 2008

NY Diaries 26: Estilo Nova Iorquino

É a tal altura do ano outra vez, quando o mundo da moda assenta arraiais em Manhattan, em sentido literal, não fosse um dos principais centros dos acontecimentos a tenda em Bryant Park. Primeiro foi a Outono/Inverno 2008 New York Fashion Week que decorreu de 1 a 8 de Fevereiro, esta semana Londres, depois o mundo. Numa indústria global onde o destino de uma peça apresentada na passerelle de uma cidade pode acabar na montra de qualquer canto do planeta, será que se pode falar de um estilo verdadeiramente único, ligado de forma incondicional a uma cidade?

O estilo de uma cidade vai muito mais além do que um desfile de moda pode mostrar. Nasce da essência das pessoas que essa cidade atrai e é nutrido pela convivência dessas mesmas pessoas, pelo tipo de vidas, pelos eventos, pelo clima, pelos cenários circundantes, o mobiliário urbano e os tons preponderantes. Por vezes, a colecção de um costureiro com sede numa determinada cidade pode invocar experiencias bem dissimilares da realidade mais imediata. Por exemplo, a colecção da Carolina Herrera para o Outono/Inverno 2008 invocou o mundo rural, em tons de castanhos, azuis China e laranja, com penas, botas tipo de montar e coletes coordenados com saias compridas. Por outro lado, em qualquer parte do mundo é fácil reconhecer o estilo do residente num determinado país, um exercício que pode ser facilmente executado em Manhattan pelos visitantes que atrai constantemente de todas as partes. O estilo Nova Iorquino também é facilmente identificável. Na Índia não precisei de ouvir a pronúncia de uma Nova Iorquina que cruzou comigo num resort em Goa. A atitude confiante, o vestido curto em linha trapézio que estava em voga no Verão e a mala Marc Jacobs usada no antebraço eram inquestionavelmente Nova Iorquinos.

O que é o estilo Nova Iorquino? É eclético como os seus residentes; é urbano; coordena, por vezes, elementos de forma não convencional, numa busca de originalidade; é, acima de tudo, sofisticado. Os tipos-A usam o que os favorece, o que demonstra o seu bom gosto e o facto de estarem na vanguarda e o que lhes acentua a confiança e permite enfrentar as situações com essa mesma firmeza. O preto é uma das cores favoritas para a noite ou para o mundo dos negócios, mas dependendo do contexto ou da estação do ano, a palete de cores pode variar desde as mais intensas às mais neutras. A mulher com poder aqui não tem receio de ser ao mesmo tempo feminina, três versões da qual, embora num estilo mais apelativo às audiências televisivas que ao boardroom puramente falando, são as heroínas de Lipstick Jungle, a adaptação televisiva do último livro de Candace Bushnell e cuja estreia não só coincidiu com a New York Fashion Week, como uma das primeiras cenas é precisamente um desfile de moda na tenda de Bryant Park.

[Publicado no Semanário Económico - 15 de Fevereiro, 2008]

Feb 2, 2008

NY Diaries 25: Metamorfoses

As cidades evoluem, transformam-se, crescem, diminuem, implodem, deixam traços de outras civilizações, do dia-a-dia que um dia testemunharam e de que foram parte. A cidade que se presencia numa determinada data, não é mais do que isso, uma experiência num determinado ponto no tempo. Por isso, há cidades que conheci, provavelmente, já não conheço, embora só uma nova visita o possa comprovar. A Lisboa que vivi, já não é a Lisboa de hoje, a Londres que deixei em 2005 também já não é a Londres de 2008, embora em relação a ambas ainda possa dizer que as conheço bem, até prova do contrário, ou até que estas cidades mudem mais significativamente.

Cidades como Nova Iorque mudam ao ritmo alucinante a que vivem. Os restaurantes do momento deixam de o ser numa fracção de segundo para o tempo de vida normal de um tal estabelecimento e as ruas comerciais estão permanentemente a retocar as fachadas, pela velocidade a que as lojas vêm e vão. O mesmo acontece com os bairros, o que é in rapidamente passa a out e vice-versa. Na Nova Iorque de hoje decide-se a sorte dos mercados financeiros ao lado de prédios residenciais de luxo que ocupam antigos prédios de bancos em Wall Street e imediações. Os artistas que converteram o SoHo num bairro apetecivelmente trendy já não têm fundos para lá viver, e muito menos para lá ter estúdios de grandes dimensões, pois o SoHo tornou-se num dos bairros em que o metro quadrado se vende a preços ainda mais estratosféricos que os habituais para Manhattan. Primeiro vêem os artistas, depois as galerias de arte e os restaurantes e bares, depois os bairros tornam-se populares, a procura aumenta e os artistas têm que sair. A primeira vez que vim a Nova Iorque percorri um SoHo de ruas ladeadas de galerias de arte e de lojas mais ou menos alternativas. Estas, por sua vez, deram lugar às segundas edições das boutiques bem conhecidas da 5.ª Avenida e da Madison.

Mas afinal onde estão os artistas? Alguns, pecado dos pecados, sairam de Manhattan e estão em Brooklyn, outros redescobriram outros bairros que agora estão a ser redescobertos pelas "forças" que os vão acabar por expulsar. Há cerca de dois anos o Lower East Side (LES) era um bairro pouco consolidado, mas desde o final do ano passado que se denota um interesse acrescido por esta zona onde agora proliferam novos condomínios e um sem número de novas galerias de arte recém-criadas ou simplesmente migradas de Chelsea. A mais recente manifestação desta metamorfose tomou forma no novo edifício do The New Museum of Contemporary Art, desenhado pela dupla japonesa de arquitectos, Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, que abriu ao público em Dezembro do ano passado. Visitei o novo edifício no Sábado, uma estrutura metálica em forma de seis caixotes empilhados irregularmente que assume grande proeminência na Bowery, uma das artérias históricas do LES.

The New Museum of Contemporary Art (Fotografia: Christian Richters)


[Publicado no Semanário Económico - 1 de Fevereiro, 2008]