May 24, 2008

NY Diaries 35: Super-Heróis

"We're metaphors. We always come in the colour and shape of your imagination."

- Femi Osofisan


Os mercados financeiros continuam em convulsão e ainda não se vê o fundo ao saco das perdas financeiras. Os efeitos em cascata que, eventualmente, resultarão desta última crise são ainda desconhecidos. Os preços do cabaz de compras de qualquer país não param de aumentar e as revistas e jornais estão repletos de artigos sobre como poupar ou sobreviver à recessão. Este é o contexto, qual é a solução?

Talvez seja caso de chamar os super-heróis. Seres deste e de outro mundo, com super poderes e a solução para quase tudo, os super-heróis surgiram precisamente no final dos anos trinta, nos anos entre a crise de 1929 e a segunda guerra mundial. Não é em vão que se traça o paralelo entre a presente crise e os eventos de 1929. Ironicamente, Ben Bernanke, o actual presidente do Fed, durante a sua carreira como economista, dedicou uma especial atenção à grande depressão. Mas enquanto a economia ainda não está salva, há que despertar a imaginação e fazer acreditar que tudo é possível.

Este é justamente o mote da nova exposição do Costume Institute patente no Metropolitan Museum of Art. Superheroes: Fashion and Fantasy, não é apenas uma exposição sobre moda, é uma exposição sobre metamorfosear a existência, desafiar as barreiras da imaginação, recriar a pele e desafiar os limites do convencional. Será esta a resposta da moda à crise económica? A moda, tal como o super-herói, proporciona um amplo espectro de possibilidades para reinvenção e transformação do eu. Depois, quando os heróis reais já não nos convencem, podemos sempre apelar ao mundo do fantástico. Para dar as boas vindas aos visitantes, um exemplar da Pop Art, o movimento que melhor se inspirou na banda desenhada -- o super-homem por Andy Warhol. O que se segue são interpretações do mundo paralelo criado pelos livros aos quadradinhos pelo mundo do grande ecrã e da moda. Desde o fato usado por Keanu Reeves no papel de super-homem ao usado por Michelle Pfeiffer como Mulher Gato, lado a lado com criações dos grandes estilistas, as escolhas são inúmeras.

No fundo, uma celebração dos valores americanos e da cidade de Nova Iorque. Os super-heróis não personificam apenas os símbolos, os valores e os ideais da sociedade americana e da supremacia do bem sobre o mal, tal como se encontram vertidos na Declaração da Independência ou na Constituição. O habitat natural do super-herói é Nova Iorque. Por exemplo, o Capitão América nasceu no Lower East Side, o Homem Aranha em Queens e os Vingadores operam em Nova Iorque, numa perfeita simbiose entre a vinheta e a cidade, ou não tivesse a indústria americana da banda desenhada nascido aqui.


Imagens: Superman, Andy Warhol (topo) e fotos da edição de Maio da Vogue U.S.

[Publicado no Semanário Económico - 23 de Maio, 2008]

May 10, 2008

NY Diaries 34: E Maio começou assim...

No princípio de Maio o resto do mundo entrou numa onda de revivalismo pelos quarenta anos do Maio de 1968. Relembraram-se os protestos dos estudantes em França contra o autoritarismo e o militarismo e a mudança de valores que o movimento representou, mas nos Estados Unidos não houve feriado ou qualquer outra celebração especial. Aqui os eventos do Maio de 68 também marcaram uma geração, a dos chamados baby boomers que estão agora a começar a reformar-se num sistema de segurança social, também aqui, à beira da falência, mas a semana em Nova Iorque não teve fim-de-semana prolongado nem êxodo para outras partes. Foi antes, sim, tempo de receber visitas de outros países, onde os dias extra convidaram a uma cruzada por outras paragens.

Uma amiga que vive em Madrid veio visitar-me, mas nem o facto de esta ser a sua terceira viagem a Nova Iorque obstou a que a lista de to dos fosse maior do que os dias disponíveis, o que, realmente, acaba por ser o estado permanente quer dos habitantes como dos visitantes desta cidade. A lista de eventos e locais indispensáveis não pode deixar de incluir a festa com que os Nova Iorquinos dão as boas vindas a cada mês, ou seja, as primeiras sextas-feiras no Guggenheim, onde passeámos no meio de falsas feras embalsamadas, carros supostamente em explosão e outras instalações de Cai Guo-Qiang. No dia anterior tínhamos ido jantar a um dos meus restaurantes favoritos, o Gemma, no Bowery Hotel, um espaço com imenso charme onde felizmente não se aceitam reservas e com um bar onde é um prazer esperar pela mesa. Durante o jantar, um amigo que cresceu em Nova Iorque e, portanto, com conhecimento de causa, recomendou como must do o Tribeca Film Festival a decorrer até 4 de Maio. É impossível conseguir bilhetes para o festival, mas a recomendação vinha com uma oferta de bilhetes para qualquer filme e qualquer sessão. O Tribeca Film Festival é o nosso Cannes, um festival fundado em 2002 por Robert de Niro e Jane Rosenthal como resposta aos ataques de 11 de Setembro e com o intuito de revitalizar a zona de TriBeCa e de Lower Manhattan. A cerimónia de entrega dos prémios tinha decorrido no dia 1 de Maio e por isso escolhemos assistir à sessão especial de Domingo dedicada ao filme vencedor do Best Narrative Feature, o equivalente ao melhor filme nos Oscars. O filme, Let the Right One In, baseado no livro homónimo de John Ajvide Lindqvist e realizado pelo sueco Tomas Alfredson, é ao mesmo tempo uma história sobre o despertar para a adolescência e sobre vampiros, num misto de ternura e de terror.

Ainda no Domingo "levámos o nosso tempo" a ver Take Your Time, a nova exposição de Olafur Eliasson patente no MoMA e no P.S. 1. A exposição pede contemplação e ao mesmo tempo interacção, possibilitando experiências que vão desde tocar um arco-íris, a cobrirmo-nos de cores numa projecção caleidoscópica que enche uma sala ou a maravilharmo-nos com partículas de água que parecem congeladas no ar por meio de ilusão óptica.



Olafur Eliasson, Negative quasi brick wall (2003)

Photo by RT

[Publicado no Semanário Económico - 9 de Maio, 2008]

May 3, 2008

NY Diaries 33: A Primavera e a Cidade

Numa sociedade obcecada com encapsular no tempo os melhores anos, em reverter o relógio ou em encontrar a fonte da eterna juventude, por vezes fica esquecido nos posters publicitários que um movimento no ponteiro do relógio para a direita significa também o adicionar de mais uma memória, que há coisas que só o tempo dá e que não são só os vinhos melhoram com o passar dos anos. Já mencionei várias vezes nesta coluna que os Nova Iorquinos vivem a um ritmo alucinante. Quando assim é, poderíamos pensar que não há um segundo olhar sobre as coisas, que não há o verdadeiro apreciar de cada momento, de cada detalhe ou do sítio onde se está. Pois eu nunca antes tinha vivido numa cidade em que as pessoas estivessem verdadeiramente apaixonadas pela sua cidade, quase ao ponto de terem que se beliscar todos os dias para se assegurarem de que é mesmo verdade que fazem parte do que consideram ser a melhor cidade do mundo.

Já vivi em Lisboa, já vivi em Londres e, esta última, tem muitas das características também atribuídas a Nova Iorque, mas nunca ouvi um Londrino dizer, como ouço ao Nova Iorquino, que vive na melhor cidade do planeta. Sim, uma "óptima cidade", "cosmopolita", mas a frase, "esta é a melhor cidade do mundo", não, isso nunca ouvi. Talvez porque na Europa soasse a falsa modéstia. Aqui, chamam-se as coisas pelos nomes. Goste-se ou não se goste, olha-se olhos nos olhos e diz-se o que se pensa. Aqui, param-se as pessoas na rua para se comentar uma saia, ou uns sapatos, ou interrompe-se a conversa de uma desconhecida no telemóvel para se descobrir qual é o perfume que a desconhecida usa. Por vezes chega-se a extremos, sem dúvida, mas estas e outras foram experiências que tive em primeira mão. No início surpreenderam-me, mas talvez porque antes de mudar para Nova Iorque vivi no Reino Unido, um país com inúmeras barreiras culturais à auto-expressão.

Na semana passada a cidade esteve vibrante com um sol radioso e em espírito de celebração da Primavera. Já se podia fazer jogging à beira rio ao fim do dia sem congelar. Fiquei atónita com a quantidade de pessoas de câmara fotográfica na mão ou de equipas de filmagem e outras menos profissionais que registavam o pôr do sol. O Hudson estava no pleno do seu esplendor, com Jersey City na outra margem, recortada pela bola de fogo que aos poucos era engolida pelos arranha-céus, a lembrar cada vez mais um negativo de Manhattan. Neste contexto, o cinzento de Jasper Johns: Gray, a exposição que vi no sábado no MET, quase que pareceu uma contradição. Mas ver as formas e os motivos típicos de Jasper Johns em tons de metal foi muito especial. Depois, há sempre a cor dos impressionistas e uma incursão pelas novas galerias de arte contemporânea do MET para ser Primavera lá dentro também.

Jasper Johns, False Start (1959)

[Publicado no Semanário Económico - 2 de Maio, 2008]