Na boa tradição do viver em sociedade em que se implementam convenções identificáveis pelo maior número possível de pessoas, e em que, de acordo com as mesmas, por exemplo, se divide o ano em estações e os dias em horas, é sempre um prazer ver um rebelde tomar forma, principalmente quando este brilha em tons vibrantes e é morno e saboroso. Esse rebelde é o Verão índio ou o Verão de São Martinho, como se queira chamar, na tradição anglo-saxónica ou ibérica, a verdade é que o Verão já disse vários falsos adeus este ano, mas teima em enganar o ciclo das estações e retorna sempre, semana após semana. Por aqui ainda se faz jogging à beira-rio ou goza-se o sol na relva do parque em trajes mais minimalistas, embora as folhas das árvores em redor estejam já activamente a trabalhar para outro tipo de bronze.
Nas palavras de Kurt Vonnegut, A Man without a Country:
Nas palavras de Kurt Vonnegut, A Man without a Country:
I think that one of the biggest mistakes we're making, second only to being people, has to do with what time really is. We have all these instruments for slicing it up like a salami, clocks and calendars, and we name the slices as though we own them, and they can never change - "11:00 AM, November 11, 1918," for example - when in fact they are as likely to break into pieces or go scampering off as dollops of mercury.
Mas se as estações se rebelam e o tempo é aquilo que dele fazemos, a nossa percepção de uma cidade também vai evoluindo com esse chamado tempo vivido e não apenas contado por relógios ou calendários. Nova Iorque, por exemplo, cada vez me parece mais pequeno. É como que se a besta enorme e quase intimidante da minha primeira visita há muitos anos atrás tivesse sido gradualmente domesticada e se tornado um tigre amansado. É, de facto, uma questão de perspectiva, principalmente quando essa perspectiva inclui vislumbrar Manhattan de Sul a Norte banhada pelo sol através da janela de um avião como tive a sorte de fazer a semana passada ao aterrar de uma viagem de negócios. Dali os picos parecem apenas montes contíguos localizados em pontos estratégicos da cidade.
Esta semana também se atravessaram outras fronteiras. Desta vez, o Next Wave Festival, organizado pela Brooklyn Academy of Music, recebeu a Compañía Nacional de Danza Española, com coreografia por Nacho Duarte. Foram soberbos e terminaram a actuação com uma ovação de pé por um dos públicos mais exigentes. Por vos Muero, ao som de canções da Catalunha dos séculos XV e XVI e da poesia lindíssima de Garcilaso de la Vega; Castrati, ao som de Vivaldi o recrear de uma tradição que desafiou convenções porque outras convenções baniam a mulher da ópera e dos coros; e, por fim, White Darkness, numa reflexão sobre o mundo da droga. Mais uma semana inesquecível a bordo da Big Apple.
[Publicado no Semanário Económico - 26 de Outubro, 2007]