Jul 28, 2007

7/18

Serão cidades como Londres, Madrid ou Nova Iorque, cidades traumatizadas? O que será que pensam os residentes de outras cidades, aquelas cidades pacíficas, como Lisboa, que têm torres gémeas, mas não têm ataques terroristas, quando ouvem uma explosão, sentem as fundações do edifício onde se encontram abalar, ouvem o ruído do que parece fogo a crepitar e quando olham pela janela vêem uma coluna de fumo negro imensa, da altura de um arranha-céus, e pessoas a correr e a gritar na rua?

E será que a resposta depende da experiência pessoal do residente das chamadas cidades de risco, ou depende apenas do facto de se viver numa dessas cidades?

Quanto à resposta à primeira pergunta, a versão residente numa cidade assolada por ataques terroristas é: Pensamos o pior. Quanto à segunda pergunta, quando adquirimos morada numa destas cidades, adquirimos algo mais subtil, algo que não sabíamos que estávamos a "comprar" quando assinámos o contrato de arrendamento ou o contrato de compra e venda e que só se manifesta nas alturas dos aniversários dos acontecimentos trágicos que marcaram estas cidades, ou quando, e se, ouvimos essa explosão muito próximo de onde nos encontramos, mesmo que nunca se tenha, de facto, vivido um ataque terrorista.

No dia 18 de Julho, Manhattan viveu um começo de hora de ponta que acordou memórias adormecidas de outros tempos. Mesmo ao lado do edifício onde trabalho, o cenário foi como o acima descrito. As fundações das nossas vidas foram abaladas. Subitamente, tudo é relativizado, a prioridade deixa de ser o deadline e passa a ser o correr pela vida. No caminho ainda há tempo de agarrar o computador portátil, mas na secretária ficam os to dos. As escadas dos andares que demoram um tempo ínfimo a percorrer de elevador, parecem intermináveis, a saída de emergência nunca mais aparece e quando, finalmente, surge, não se sabe o que se vai encontrar lá fora.

Algumas pessoas falam de um prédio que colapsou. Prioridade, sair dali. Por outro lado, não se consegue deixar de pensar que, provavelmente, há quem nunca mais volte para casa. À medida que os passos vão somando ruas, a cidade parece progressivamente mais normal. A vinte quarteirões de distância, a cidade está totalmente abstraída, as pessoas sabem que o metro não está a funcionar, mas não sabem porquê. Durante horas, não se sabe o que aconteceu. Afinal, foi apenas a explosão acidental de um cano que abriu uma enorme cratera na Rua 42.

O que realmente aconteceu? O que já se sabia. O 11 de Setembro (9/11) não inspira apenas filmes, livros ou outras manifestações artísticas, como as fotografias de Eric Baudelaire, em exibição na Elizabeth Dee Gallery em Chelsea. Não, como dizia Nietzsche, acontecimentos "that move the world enter on doves' feet". Tudo o resto, são manifestações de uma consciência colectiva.


[Publicado no Semanário Económico - 27 de Julho, 2007]

Jul 21, 2007

Latitude 40

Homme libre, toujours tu chériras la mer!
La mer est ton miroir; tu contemples ton âme

Baudelaire


Os NY Diaries desta semana foram escritos sobre o Atlântico, entre Londres e Nova Iorque, a 10,976 metros de altitude. Um voo de longo curso, pode muito provavelmente ser o cenário ideal para escrever os NY Diaries, sem BlackBerry, telefones, interrupções ou distracções, apenas eu e o computador portátil.

Mas se hoje em dia se vive em simbiose com os computadores, nada substitui o ver e sentir o mundo ao vivo, as gentes, as mentalidades, os cheiros e os sabores. Mesmo aqueles que nunca esquecemos, mas que, ainda assim, despertam memórias perdidas nos recantos da nossa história quando novamente percepcionados.

Desta vez Londres foi só para fazer escala. Revisitei Lisboa, onde nasci e cresci, uma terra que vive ao ritmo da nostalgia que sente quem um dia viu mais partir do que chegar, que deu novos mundos ao mundo, mas que se esqueceu de se reinventar. Uma Lisboa que senti enclausurada no passado, a avançar em passos tímidos em direcção ao futuro, em vez de vibrar com o presente.

Um dia a capital do Império e actualmente a capital do país que acolhe a presidência da União Europeia, a Lisboa de hoje não é apenas o confluir de gentes de outras paragens e nações, mas também de portugueses espalhados pelo mundo. Portugueses ou lisboetas que se conheceram nessas outras terras e que, de tempos a tempos, desaguam em Lisboa. Foi uma agradável coincidência geográfica que, desta vez, permitiu sentar a uma mesa do Bica do Sapato Londres, Luxemburgo e Nova Iorque. Uma ínfima mostra de um fenómeno que denoto cada vez mais comum em Portugal, o êxodo de talento para o estrangeiro. O que é mais gritante, é que há uns anos atrás saímos por opção de carreira ou de percurso pessoal, hoje, muitos dos que vão para o estrangeiro, saem porque não têm verdadeiras oportunidades no seu país.

Apesar de Nova Iorque e Lisboa partilharem praticamente a mesma latitude, os contrastes entre as duas cidades não podiam ser mais marcantes. Na voz de Bebel Gilberto, no seu último CD, os Nova Iorquinos "sonham ao vivo", e essa é uma diferença fundamental. Para nós, os sonhos são objectivos reais e palpáveis, não apenas meras quimeras. Talvez porque Nova Iorque viu chegar milhões de esperanças a Ellis Island, por onde antes de 1924 passou mais de setenta por cento da imigração americana, em vez de ter visto partir. Talvez porque tenha recebido quem estava disposto a correr riscos e a realmente fazer acontecer, porque a vida (injustamente ou não), não tem ensaios, é sempre um programa em directo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa


[Publicado no Semanário Económico - 20 de Julho, 2007]

Jul 7, 2007

Allotment

Cada cidade vivida por nós tem um componente de "nossa cidade", ou o nosso lote ou espaço soberano, em que nós, e apenas nós, reinamos, ditando o conteúdo de acordo com as nossas experiências.

O exterior, esse, vai evoluindo e vai-se transformando. De acordo com Brancusi, "arquitectura é escultura habitada", pois Londres está a ser esculpido intensivamente, bastando olhar para a linha do horizonte sobre a City de uma das inúmeras pontes sobre o Tamisa para ver uma imensa plantação de gruas e andaimes.

Os próprios locais vão incorporando a paisagem em metamorfose. Um exemplo disso é o Skylon, um novo restaurante localizado nas premissas do Royal Festival Hall, moderno, com uma decoração ousada, que delicia não só pelo menu de estilo Europeu contemporâneo, por Helena Puolakka, mas, também, pelas enormes janelas que funcionam como telas gigantes que vão mudando a abordagem ao tema Londres de acordo com a hora do dia e de acordo com a evolução arquitectónica da cidade.

Mas, nas palavras de Antony Gormley, cujo trabalho se encontra até 19 de Agosto em exibição na Hayward Gallery, "The body is our first habitation, the building our second". O nosso corpo é o meio para percepcionarmos e ao mesmo tempo moldarmos o que nos rodeia. Mega cidades como Nova Iorque ou Londres, são o produto de milhões de impressões digitais, ao mesmo tempo únicas e globais. Gormley explora esta dicotomia do corpo humano como sujeito e objecto, através de um convite ao observador para embarcar numa viagem pela dimensão física das instalações em mostra. Cada experiência é única, mas ao mesmo tempo pode ser partilhada por terceiros de um ponto de vista diverso. Neste contexto, é de realçar Blind Light, cujo título dá nome à exposição, que consiste numa viagem pelo vazio, ou seja, por entre vapor de água denso, num compartimento rectangular de luz brilhante, que pode ainda ser observada do exterior se os sujeitos da viagem se aproximarem das paredes exteriores do compartimento. Por fim, Allotment II, ou uma miríade de caixas rectangulares de cimento, que representam o menor espaço possível com dimensões suficientes para abrigar um corpo humano.

O tema da interacção entre o ser individual e as mega-metrópoles de hoje é retomado pela Tate Modern. Para além de Dalí and Film e The Body of Colour, por Hélio Oiticica, uma das exposições temporárias da Tate é, precisamente, dedicada às Global Cities. De acordo com as estatísticas mais recentes das Nações Unidas, 50% da população mundial vive hoje em cidades e é estimado que em 2050 esta percentagem ascenda aos 75%. Esta exposição analisa e interpreta o impacto deste crescimento urbano nas pessoas e no ambiente. No fundo, explora o eu e a dimensão social e espacial do eu e em que medida as decisões individuais do eu e a forma como o eu vive são (ou não) influenciadas pela dimensão dinâmica das cidades onde se insere.

[Publicado no Semanário Económico - 6 de Julho, 2007]