Jan 26, 2008

NY Diaries 24: MLK

O título dos diários desta semana denota mais uma obsessão americana, as abreviaturas. Só esta cultura que prima pela simplificação podia ter inventado o mundialmente famoso O.K. e, por vezes, falar em siglas. Alguém é P.C. (Politically Correct) ou precisa de O.J. (Orange Juice) para curar uma constipação, são frases comuns que constituem um desafio para qualquer um que não tenha crescido e vivido nos Estados Unidos. O título desta semana é alusivo ao feriado que celebra o nascimento de Martin Luther King, Jr., comummente designado por dia MLK. Não necessariamente no dia exacto do nascimento, 15 de Janeiro, mas sempre a uma Segunda-feira, neste dia promovem-se eventos um pouco por toda a parte, como o concerto de jazz gratuito organizado pelo Lincoln Center.

Aqui nem todas as empresas fecham para todos os feriados governamentais, muitas, como a minha, adoptam um sistema em que para além dos principais feriados, mais ou menos oito por ano, dois dias flutuantes podem ser gozados à descrição de cada um, como forma de acomodar a diversidade de religiões e culturas que caracterizam a sociedade. Assim, quem quiser pode eleger este dia como feriado, para os muitos que não o fazem, neste dia é como despertar para uma cidade fantasma em que o bulício matinal da hora de ponta é substituído por ruas vazias. Subitamente há lugares sentados no metro, apenas esporadicamente ocupados por outros colegas, não fosse este hábito das consultoras darem-nos pastas, mochilas e sacos com o logótipo da empresa a melhor forma de nos reconhecermos nas ruas. Dentro do edifício da empresa era "business as usual". O dia não foi, todavia, deixado em branco, nesta data trabalhamos, mas também recebemos crianças das escolas locais para terem contacto com a profissão e o mundo dos negócios, para elas também se sentirem inspiradas para um mundo de plenas oportunidades. É um dia de "portas abertas", em contraste com mundos de "portas fechadas" que foram o móbil deste e doutros líderes.

A irritação move montanhas. Ainda agora na Índia tomei conhecimento de um incidente que foi o propulsor do activismo de Gandhi na área dos direitos humanos. Depois de ter concluído os estudos de Direito em Inglaterra, Gandhi estava a trabalhar na África do Sul como Advogado quando um dia foi expulso de uma carruagem de comboio de primeira classe por não ser branco. Também Jamsetji Tata, fundador do maior grupo de negócios Indiano, foi um dia recusado num dos melhores hotéis da Índia do princípio do século XX com base na admissão ser exclusiva a Ingleses. Do incidente resultou o que é hoje considerado o melhor hotel da Ásia, construído para rivalizar aquele onde Tata não pode pernoitar e onde fiquei na minha recente visita a Mumbai - o Taj Mahal Palace & Tower.

Our lives begin to end the day we become silent about things that matter.
Martin Luther King, Jr.

[Publicado no Semanário Económico - 25 de Janeiro, 2008]

Jan 19, 2008

NY Diaries 23: Passagem pela Índia

Regressada da Índia, onde dei as boas vindas ao ano de 2008, como que por actos de magia a hora de ponta em Manhattan pareceu-me vazia, calma e o metro limpo. Nada mudou, apenas o meu olhar sobre o mundo depois de duas semanas em terras da Índia. Uma terra de contrastes, agarrada a uma sede de criar e manter uma identidade colectiva, num país retalhado por línguas, religiões e tradições díspares amalgamadas sob uma bandeira única. Lado a lado com sinais de modernidade deambulam vacas sagradas pelas cidades, rickshaws e carroças puxadas a camelos. O produto nacional e a tradição são ainda protegidos pela preferência da mulher pelo traje típico, o sari e, por vezes, o salwar-kameez (calças com túnica), para o seu dia-a-dia, seja o escritório ou o trabalhar os campos.

A passagem pela Índia foi uma viagem por uma realidade que não podia ser mais distinta da de um New Yorker. Aqui queremos as coisas para ontem e pensamos sempre em termos de eficiência e investimento/retorno, na Índia temos rapidamente que ter calma e aprender a esperar porque tudo leva o seu tempo.

A viagem foi também o casamento indiano de um grande amigo Nova Iorquino que visitava pela primeira vez o país da sua noiva. Foi uma experiência única. O casamento é um dos acontecimentos mais importantes na cultura Indiana. Desde que os filhos nascem, os pais começam a por dinheiro de parte para o evento. São três dias de festa, precedidos de muitos outros de organização e de preparação em família. No primeiro dia dançam-se canções tradicionais e outras mais modernas com música ao vivo na cerimónia do Sangeet. No segundo decorre a cerimónia da hena (Mehendi) para as mulheres e, em especial, para a noiva que cobre os braços até ao cotovelo e as pernas até aos joelhos de intrincados desenhos feitos em hena, reminiscentes dos mais complicados bordados ou rendas. Por fim, o ponto alto das celebrações é a procissão do noivo (Baaraat), em que o noivo chega a casa da noiva a cavalo ou elefante, e a cerimónia religiosa, seguida de uma recepção. Os Saris são bordados a pedras e ouro e passam de geração em geração porque não têm tamanho (são sempre cinco metros de tecido meticulosamente enrolados ao corpo) e porque são intemporais.

Depois de Ahmedabad, onde decorreu o casamento, Jaipur ou a cidade cor-de-rosa, com estada num palácio de sonho (The Raj Palace) e direito ao antigo quarto da Marajá. Foi uma forma inesquecível de receber o novo ano. Ainda Agra e o perfeitamente simétrico e harmonioso Taj Mahal; Deli; e Goa, a nossa velha Goa ou um paraíso na terra repleto de palmeiras e de vegetação luxuriante pontuado por Igrejas de traça portuguesa e antigas mansões coloniais. Por fim, Mumbai (antiga Bombaim), a capital financeira que afincadamente avança em direcção ao século XXI.


[Publicado no Semanário Económico - 18 de Janeiro, 2008]