Feb 23, 2008

NY Diaries 27: A Política e a Cidade

Se Washington, D.C. vive para a política, Nova Iorque vive para sacudir a política. Não de forma metódica e obsessiva, mas pelo simples facto de manifestar as opiniões que, na sua maioria, estão em discordância com a maioria dos Estados Unidos numa dicotomia litoral/interior.

Na passada segunda-feira celebrou-se o Presidents Day em nome de George Washington e Abraham Lincoln e, em termos mais amplos, em nome da instituição da presidência. Os ânimos andam ao rubro pelo país fora, mas nestas últimas semanas Nova Iorque teve a sua dose reforçada de adrenalina. Começou com a vitória dos New York Giants no campeonato nacional do futebol americano, a Super Bowl, e com a recepção dos mesmos no seu regresso à cidade com uma ticker-tape parade com muitos confetti e papel, algo que já não se via em Manhattan desde 2000. Na mesma semana decorria a New York Fashion Week; Madonna e a Gucci aliavam esforços e invadiam um dos relvados da sede das Nações Unidas para uma mega festa de angariação de fundos a favor da UNICEF e da Raising Malawi: Orphan Care Initiative, fundada por Madonna; a Gucci abria a sua maior loja do mundo na Trump Tower; e Nova Iorque ia a votos para as primárias do Estado na chamada Super Tuesday, onde muitos pensavam que depois de votarem vinte e quatro Estados num só dia tudo ia ficar decidido.

Não ficou, os democratas ainda se encontram divididos entre a tradição Clintoniana e o apologista da mudança possível, Barack Obama, enquanto que os republicanos, esses sim, estão cada vez mais próximo de um candidato final. Este é o cenário, mas se enquanto a política para Nova Iorque é um meio, para D.C. é um fim em si mesma. Na semana passada, depois de um forte nevão tive que apanhar o comboio expresso para uma reunião de trabalho em D.C., em vez do avião. Nova Iorquina, sento-me com o meu Financial Times que me aguarda todos os dias excepto ao Domingo e feriados à saída da porta e concentro-me em ver como é que os meus clientes multinacionais se estão a sair nesta caixinha de surpresas que se tornou a fase de tumulto económico-financeiro que estamos a atravessar. Há vozes discordantes quanto à separação ou casamento das economias do resto do mundo com a economia dos Estados Unidos, fala-se de mais flutuações dos mercados e, sim, também em política. Por seu turno, o senhor que se sentou à minha frente, lobbyista ou político de profissão de D.C., carregava um saco com os jornais do dia e perscrutava as suas páginas à procura do comentário do dia político anterior, intercalando com uma chamada ou outra sobre espaços na imprensa para o dia seguinte. O senhor ao meu lado perguntava se alguém tinha acreditado há uns meses atrás que os republicanos estariam tão próximo de ainda terem alguma hipótese. Enfim, respirava-se e falava-se política. Business as usual é, de facto, muito diferente para as duas cidades.

[Publicado no Semanário Económico - 22 de Fevereiro, 2008]

Feb 16, 2008

NY Diaries 26: Estilo Nova Iorquino

É a tal altura do ano outra vez, quando o mundo da moda assenta arraiais em Manhattan, em sentido literal, não fosse um dos principais centros dos acontecimentos a tenda em Bryant Park. Primeiro foi a Outono/Inverno 2008 New York Fashion Week que decorreu de 1 a 8 de Fevereiro, esta semana Londres, depois o mundo. Numa indústria global onde o destino de uma peça apresentada na passerelle de uma cidade pode acabar na montra de qualquer canto do planeta, será que se pode falar de um estilo verdadeiramente único, ligado de forma incondicional a uma cidade?

O estilo de uma cidade vai muito mais além do que um desfile de moda pode mostrar. Nasce da essência das pessoas que essa cidade atrai e é nutrido pela convivência dessas mesmas pessoas, pelo tipo de vidas, pelos eventos, pelo clima, pelos cenários circundantes, o mobiliário urbano e os tons preponderantes. Por vezes, a colecção de um costureiro com sede numa determinada cidade pode invocar experiencias bem dissimilares da realidade mais imediata. Por exemplo, a colecção da Carolina Herrera para o Outono/Inverno 2008 invocou o mundo rural, em tons de castanhos, azuis China e laranja, com penas, botas tipo de montar e coletes coordenados com saias compridas. Por outro lado, em qualquer parte do mundo é fácil reconhecer o estilo do residente num determinado país, um exercício que pode ser facilmente executado em Manhattan pelos visitantes que atrai constantemente de todas as partes. O estilo Nova Iorquino também é facilmente identificável. Na Índia não precisei de ouvir a pronúncia de uma Nova Iorquina que cruzou comigo num resort em Goa. A atitude confiante, o vestido curto em linha trapézio que estava em voga no Verão e a mala Marc Jacobs usada no antebraço eram inquestionavelmente Nova Iorquinos.

O que é o estilo Nova Iorquino? É eclético como os seus residentes; é urbano; coordena, por vezes, elementos de forma não convencional, numa busca de originalidade; é, acima de tudo, sofisticado. Os tipos-A usam o que os favorece, o que demonstra o seu bom gosto e o facto de estarem na vanguarda e o que lhes acentua a confiança e permite enfrentar as situações com essa mesma firmeza. O preto é uma das cores favoritas para a noite ou para o mundo dos negócios, mas dependendo do contexto ou da estação do ano, a palete de cores pode variar desde as mais intensas às mais neutras. A mulher com poder aqui não tem receio de ser ao mesmo tempo feminina, três versões da qual, embora num estilo mais apelativo às audiências televisivas que ao boardroom puramente falando, são as heroínas de Lipstick Jungle, a adaptação televisiva do último livro de Candace Bushnell e cuja estreia não só coincidiu com a New York Fashion Week, como uma das primeiras cenas é precisamente um desfile de moda na tenda de Bryant Park.

[Publicado no Semanário Económico - 15 de Fevereiro, 2008]

Feb 2, 2008

NY Diaries 25: Metamorfoses

As cidades evoluem, transformam-se, crescem, diminuem, implodem, deixam traços de outras civilizações, do dia-a-dia que um dia testemunharam e de que foram parte. A cidade que se presencia numa determinada data, não é mais do que isso, uma experiência num determinado ponto no tempo. Por isso, há cidades que conheci, provavelmente, já não conheço, embora só uma nova visita o possa comprovar. A Lisboa que vivi, já não é a Lisboa de hoje, a Londres que deixei em 2005 também já não é a Londres de 2008, embora em relação a ambas ainda possa dizer que as conheço bem, até prova do contrário, ou até que estas cidades mudem mais significativamente.

Cidades como Nova Iorque mudam ao ritmo alucinante a que vivem. Os restaurantes do momento deixam de o ser numa fracção de segundo para o tempo de vida normal de um tal estabelecimento e as ruas comerciais estão permanentemente a retocar as fachadas, pela velocidade a que as lojas vêm e vão. O mesmo acontece com os bairros, o que é in rapidamente passa a out e vice-versa. Na Nova Iorque de hoje decide-se a sorte dos mercados financeiros ao lado de prédios residenciais de luxo que ocupam antigos prédios de bancos em Wall Street e imediações. Os artistas que converteram o SoHo num bairro apetecivelmente trendy já não têm fundos para lá viver, e muito menos para lá ter estúdios de grandes dimensões, pois o SoHo tornou-se num dos bairros em que o metro quadrado se vende a preços ainda mais estratosféricos que os habituais para Manhattan. Primeiro vêem os artistas, depois as galerias de arte e os restaurantes e bares, depois os bairros tornam-se populares, a procura aumenta e os artistas têm que sair. A primeira vez que vim a Nova Iorque percorri um SoHo de ruas ladeadas de galerias de arte e de lojas mais ou menos alternativas. Estas, por sua vez, deram lugar às segundas edições das boutiques bem conhecidas da 5.ª Avenida e da Madison.

Mas afinal onde estão os artistas? Alguns, pecado dos pecados, sairam de Manhattan e estão em Brooklyn, outros redescobriram outros bairros que agora estão a ser redescobertos pelas "forças" que os vão acabar por expulsar. Há cerca de dois anos o Lower East Side (LES) era um bairro pouco consolidado, mas desde o final do ano passado que se denota um interesse acrescido por esta zona onde agora proliferam novos condomínios e um sem número de novas galerias de arte recém-criadas ou simplesmente migradas de Chelsea. A mais recente manifestação desta metamorfose tomou forma no novo edifício do The New Museum of Contemporary Art, desenhado pela dupla japonesa de arquitectos, Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, que abriu ao público em Dezembro do ano passado. Visitei o novo edifício no Sábado, uma estrutura metálica em forma de seis caixotes empilhados irregularmente que assume grande proeminência na Bowery, uma das artérias históricas do LES.

The New Museum of Contemporary Art (Fotografia: Christian Richters)


[Publicado no Semanário Económico - 1 de Fevereiro, 2008]