Sep 28, 2008

NY Diaries 50: Half & Half

Apesar de o ditado dizer que é no meio-termo que reside a virtude, eu confesso que não gosto do meio-termo. Não gosto do que não é pouco, mas também não é bastante, do que fica aquém, na fronteira entre uma promessa e uma frustração, do que não é plenitude, excepcional, tudo ou nada. Na terminologia do leite que não é magro, mas também não é gordo, o half & half é quase uma indecisão, um assumir em potência.

Mas por vezes o que não é totalmente, também tem as suas vantagens, como um mal menor. Num volte-face inesperado, na semana que passou, os Estados Unidos entraram numa era de regulamentação dos mercados financeiros, pseudo-nacionalizaram a seguradora A.I.G e lançaram as bases de um fundo de 700 biliões de dólares para adquirir os "activos tóxicos" que assolam os balanços de instituições financeiras americanas e estrangeiras com operações significativas nos Estados Unidos. A mim, fez-me lembrar um spot publicitário australiano de serviços de terceira geração para telemóveis, intitulado sem medo, em que os jogos se jogam na vida real e em que o comentador diz, e "o que seria se pudesse fazer o que adora, mas sem consequências". No anúncio, os utilizadores movem-se através da cidade, campo e até se aventuram em direcção ao mar, dentro de umas cápsulas gigantes de plástico insuflável acolchoado, desafiando os elementos, sem consequências. Na realidade dos mercados, a ausência de efeitos é uma utopia e apesar de o estado norte-americano estar a tentar minorar as consequências negativas da queda através da sua versão de cápsulas insufláveis, os resultados estão muito longe de garantidos.

Mas half & half, também porque este passado dia 22 ocorreu o equinócio de Outono, o momento em que o sol se posiciona directamente sobre o equador e em que a duração do dia é idêntica à duração da noite. O mar revoltava-se e contorcia-se, a estação mudava e Nova Iorque estava em estado de sítio. No dia 22, cabeças de estado de vários países confluíram à cidade para participar numa sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, incluindo o actual Presidente, no seu último discurso como tal perante a Assembleia, e para assistir à reunião anual da Global Initiative de Bill Clinton. Vias e pontes cortadas e um enorme aparato policial congestionaram Manhattan ao extremo, realçando o seu carácter de ilha. O dia coincidiu com uma partida para uma viagem de negócios, mas com o caos em que se encontrava o trânsito na cidade e arredores, pensei que ia ser desta que ia perder um avião pela primeira vez. Cheguei a tempo, e, no fim, acabei por ter que esperar já na pista pela aterragem de um dignitário não identificado para poder partir.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Luís Vaz de Camões


[Publicado no Semanário Económico - 26 de Setembro, 2008]

Sep 20, 2008

NY Diaries 49: "It's the end of the world as we know it"

Esta semana o mundo viu mais uma segunda-feira negra em Wall Street. Naquilo que representou a maior queda dos índices bolsistas desde o 11 de Setembro de 2001, no seguimento da falência da Lehman Brothers e da compra da Merrill Lynch pelo Bank of America. As reminiscências com a crise de 1987 são ostensivas. Era óptimo que, como por milagre, a título de ressalva, algures na televisão ou nas páginas da Internet, aparecessem essas letras pequenas que ninguém lê a anunciar que isto é uma obra de ficção e que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Mas embora o mercado pareça estar ainda em maré de negação e, por isso, o efeito tsunami ainda não se tenha feito sentir, a verdade é que isto é tudo isso mesmo, realidade nua e crua.

Aqui em Nova Iorque ainda está tudo meio atordoado. O dia ainda não tinha acabado neste lado do Atlântico e já mais uma bomba implodia com o anúncio de que a Moody's tinha tirado um ponto na classificação de risco da A.I.G., o que para uma empresa seguradora pode ter consequências catastróficas. Que isto é o equivalente ao fim do mundo tal como o conhecemos, seguindo o mote da música dos R.E.M., neste momento, parece óbvio. No entanto, a razão porque uma segunda-feira como esta se apresenta negra, não é, apenas, pelos acontecimentos presentes, mas antes, pelos acontecimentos potenciais. E são tantas as coisas que os Nova Iorquinos queriam saber, hoje, sobre o futuro. Quem vai ser o próximo presidente, se chegámos ao fundo da crise, quantas mais pessoas no sector financeiro vão perder o emprego e quais é que vão ser as consequências para a economia da cidade, do país e do mundo, entre outras. As mais variadas previsões e correlações têm sido divulgadas, mas a incerteza está no ar.

Ainda a semana passada a New York Fashion Week decorria em pleno, com a consciência de que, nas palavras de Chanel, "a moda está no ar, nas ruas; moda tem a ver com ideias, com a forma como vivemos e com o que está a acontecer." Por isso, para animar os ânimos, a moda vestiu-se de cores fortes; invocou o oriente com calças de odalisca, algumas bordadas com pedrarias e ouro, como na Ralph Lauren; o homem urbano de ZZegna intitulou-se poético e sempre refinado; e a Tommy Hilfiger surpreendeu com o que, para mim, foi uma das melhores localizações para apresentar um desfile de moda, o átrio central de um teatro no Lincoln Center, um espaço amplo, aberto aos corredores de acesso às várias galerias, ladeado por duas estátuas monumentais que adicionaram uma certa magnificência ao desfile. Houve ainda quem se aventurasse a relacionar o domínio da minissaia patente nos desfiles com a habitual relação entre as bainhas e a economia. No entanto, por agora, a altura das saias subiu, mas a economia talvez ainda tenha que descer mais um pouco até subir outra vez. Ainda temos até à Primavera de 2009 para ver se a tradição sempre se mantém.

[Publicado no Semanário Económico - 19 de Setembro, 2008]

Sep 13, 2008

NY Diaries 48: Imortalidade

Realmente, à vista desarmada não se consegue vislumbrar as estrelas no céu Nova Iorquino, mas a cidade é um íman que atrai constantemente outras estrelas, as que se dedicam a uma profissão ou vocação em que ser uma lenda é imperativo, pois a alternativa é o desvanecimento do artista da memória colectiva, o que, em si, é um paradoxo porque quando se visa entreter, inspirar e, em suma, tocar o maior número de pessoas possível, a audiência passa a fazer parte do sujeito, em vez de ser apenas um predicado.

Esta semana, a busca da imortalidade assumiu várias formas e todas elas uma arte no seu direito próprio. O U.S. Open entrou na recta final, com as semifinais masculinas e a final feminina disputadas este passado fim-de-semana, seguidas pela final masculina que foi adiada para esta passada segunda-feira por causa da tempestade que assolou Nova Iorque no Sábado à tarde. Ver bom ténis ao vivo é sempre excitante e se Rafael Nadal, por quem estava a torcer no estádio Arthur Ashe, não conseguiu a proeza da somar o troféu às suas vitórias deste ano em Wimbledon e Roland Garros e ao ouro olímpico, Roger Federer bateu Andy Murray na final e com esta vitória reafirmou a sua lenda no firmamento do ténis.

Ainda o mundo do desporto não tinha atingido a sua apoteose final, já o mundo da moda descia à cidade no seu melhor. A New York Fashion Week começou oficialmente no passado dia cinco. Se a moda nos permite metamorfosear a identidade, permite também criar uma identidade ou um estilo para a posteridade, um feito que só alguns designers de moda conseguem atingir. Deixar um legado como o de Yves Saint Laurent, é atingir imortalidade em forma de peças e tendências chave que estão em qualquer guarda-roupa feminino, mesmo no das mais incautas. Uma das grandes senhoras da moda Nova Iorquina é, sem dúvida, Carolina Herrera que personifica estilo e sobriedade. Ao assistir ao desfile de moda Primavera/Verão 2009, não pude deixar de notar alguns elementos que são a sua assinatura, como se da alma latina da moda Nova Iorquina se tratasse, como os folhos, rendas e brocados na medida certa, que jogam com as texturas em tecidos fluidos ou mais estruturados. Nas passerelles estiveram ainda em lugar de destaque os novos materiais, com a tecnologia a dar expressão à imaginação através de tecidos brilhantes como o lurex, que na colecção de Carolina Herrera foram utilizados para acentuar a silhueta feminina em combinações de corpetes e saias de noite com várias camadas ou fatos de saia ou calça e casaco.
Em geral, o que é que a moda Primavera/Verão 2009 promete? Cor e glamour, jumpsuits também. Tendências que passam de uma estação para a outra e que se fundem porque hoje em dia a moda não dita as tendências, inspira, e tudo é permitido.

Carolina Herrera, Primavera/Verão 2009:



[Publicado no Semanário Económico - 12 de Setembro, 2008]

Sep 6, 2008

NY Diaries 47: "La rentrée"


É oficial, o Verão acabou, pelo menos em termos Nova Iorquinos. Esta passada segunda-feira foi o Labor Day, dia que para os Nova Iorquinos representa o adeus ao Verão, aos Hamptons, às ruas com multidões mais reduzidas e aos restaurantes in disponíveis para uma reserva de última hora. Eu adoro o Verão e tudo aquilo que vem com o dito, mesmo quando este é passado maioritariamente na cidade. Adoro a subtracção das camadas de roupa que se têm que usar no Inverno, o calor, as explanadas e os terraços que se abrem à cidade para sua contemplação, e a possibilidade de praia, mesmo que muitas vezes não concretizada. Desde sempre, que quando o fim do Verão se aproxima sinto uma nostalgia antecipada que nunca conseguiu ser erradicada pela expectativa de um novo começo, seja de ano escolar ou um novo estágio na carreira, nos casos, como o da minha empresa, em que as promoções se tornam efectivas no primeiro de Setembro. Mas o Labor Day não significa apenas o fim do Verão, marca também a rentrée, ou seja, quando o calendário social recomeça em pleno, como se ressuscitado da languidez das férias, pronto a tomar a cidade de assalto.

A rentrée social foi acompanhada pelo lançamento oficial do período de campanha eleitoral, com a Convenção Nacional do Partido Democrata a dominar os meios de comunicação social durante a semana que precedeu o Labor Day. Washington, D.C., onde estive em trabalho dois dias depois de ter aterrado de Estocolmo, estava a meio gás, com muitos dos políticos em Denver, onde decorreu a convenção, e com o Capitólio ainda de férias. A cidade emana solenidade e representa sempre um encontro com o poder, seja com horários marcados, em edifícios governamentais, como fora de horas, em baluartes dos bastidores da política, como o Capital Grill (o original), onde jantei depois de um dia de reuniões.

A experiência urbana continua não apenas a ser vivida em pleno em Nova Iorque, como também a ser objecto de exposições. Desta feita no Museum of Modern Art ("MoMA"), na maior mostra de quadros da série Berlin Street Scene de Kirchner, pintados entre 1913 e 1915, que ilustram, precisamente, o glamour e ao mesmo tempo a alienação da vida urbana. Noutra exposição, que já tinha visto o ano passado na Tate Modern, em Londres, Dalí: Painting and Film, denota-se o impacto que Nova Iorque teve em Dalí aquando da sua visita em 1934 nos desenhos para os cenários de um filme que este estava a planear, Les Mystères Surréalistes de New York. Também Dalí foi enfeitiçado pelos predicados da cidade e depois desta viagem a Nova Iorque seguiram-se várias outras.

No mundo do desporto, está a decorrer às portas de Manhattan o U.S. Open, que este ano celebra quarenta anos. Federer é um veterano do Open, tendo sido o único jogador que ganhou o torneio quatro vezes consecutivas e é com grande expectativa que se aguarda a final masculina.

Ernst Ludwig Kirchner, Berlin, Street (1913)

[Publicado no Semanário Económico - 5 de Setembro, 2008]