Aug 30, 2008

NY Diaries 46: Absolutamente Estocolmo

Estocolmo, ou a Veneza do Norte, como é chamada por muitos, é uma cidade idílica banhada numa profusão de água que estabelece os contornos das várias ilhas que a compõem e que se cobre de tons de girassol, laranja e alfazema ao pôr-do-sol. Numa cidade assim, a evasão pode ser total. A cidade vibra a um pulsar mais calmo, sereno e organizado, mas sem deixar de ser também um centro urbano, na vanguarda do que é belo.

Estocolmo tem um charme de cidade antiga, com o passado preservado na traça de muitos dos edifícios e dos palácios que salpicam a cidade e que definem o seu recorte na linha do horizonte. Mas por outro lado, há o Estocolmo moderno, o que se manifesta através de outra forma de arte, a arte de trazer o belo para o dia-a-dia. O design Nórdico é beleza em forma pura, de linhas simples e de grande funcionalidade, sem compromisso da estética. Um conceito que em Estocolmo é uma forma de vida, patente até nos mais ínfimos pormenores, como uma chávena no mais comum dos cafés.

Eu sou absolutamente fascinada pelo design nórdico e, como tal, não só tinha que ir experienciá-lo na origem, como tinha que ficar no que é considerado o exponencial máximo do design em Estocolmo, o Nordic Light Hotel. Com design de Jan Söder and Lars Pihl, este hotel proporciona uma verdadeira experiência holística que procura estimular todos os sentidos de várias formas. O conceito do hotel foi inspirado pelo fenómeno Escandinavo da aurora boreal, utilizando a cor e a luz de uma forma inovadora. Nos quartos, por exemplo, a cor da luz pode ser ajustada de modo a reflectir ou influenciar o estado de espírito. Uma interacção que é feita de forma simbiótica, pois a própria fachada do hotel muda de acordo com as cores de cada quarto.

O hotel é um reduto sublime depois de um dia em missão de reconhecimento ou de descobrimento da cidade e ao mesmo tempo uma continuidade da atenção que é dada ao detalhe pela cidade fora. Desde os dizeres em relevo nas toalhas, alusivas à luz, ao ginásio ou aos nomes dos cocktails no bar, tudo foi pensado com grande cuidado. Os espaços comuns são absolutamente incríveis, o lobby, que durante a minha estada estava decorado com instalações de tecidos pela estilista sueca Diana Orving, é também bar e zona de restaurante, com acesso a uma sala/bar toda branca, e ainda a uma explanada, decorada com dois globos pelo grupo de design sueco Front, que brincam com a luz e a sombra quando as luzes se acendem. Mas se o hotel não chegar para "encher o olho", a capital da Escandinávia tem ainda para oferecer lojas de design, de fazer qualquer um querer ter várias casas para decorar naquele preciso momento, e restaurantes que impressionam pelo décor, ambiance e culinária. A não perder, as lojas Asplund, Design House Stockholm e Nordiska Galleriet, e os restaurantes P.A. & Co. e Fredsgatan 12.

Nordic Light Hotel: Fachada

Nordic Light Hotel: Lobby

Nordic Light Hotel: White Room

Fredsgatan 12

Nordiska Galleriet

[Publicado no Semanário Económico - 29 de Agosto, 2008]

Aug 24, 2008

NY Diaries 45: Absoluta Antecipação

Escrevo mais uma vez entre lounges de aeroportos e portas de embarque, com um sentimento de crescente antecipação em relação a mais uma partida, uma viagem, uma descoberta, desta vez por lazer. Mais um voo de longo curso. De facto, de Nova Iorque as opções internacionais a curta distância são menos do que de Londres. No entanto, se dantes um voo de duas horas e meia, durante o qual se cruzavam vários espaços aéreos tinha o sabor de uma viagem distante, desde que me mudei para os Estados Unidos tudo ganhou uma nova perspectiva. Viagens de duas horas e meia de ida e volta fazem-se, por vezes, no mesmo dia e viagens transatlânticas já não são especialmente longas. É tudo relativo.

Os dias e até as semanas que antecedem umas férias são autênticas maratonas ou provas de resistência contra relógio, em que se desafiam os minutos para se terminar todo o trabalho pendente antes da partida, bem como qualquer potencial eventualidade que pudesse vir a surgir durante a ausência. Mesmo que não estejamos particularmente necessitados de férias no momento em que as marcamos, quando embarcamos no avião até mesmo numa cadeira futurista que se converte em cama ao carregar de um botão se dorme o melhor dos sonos. Desta vez, o inusitado aconteceu, tive momentos em que questionei porque é que partia. Com um sol glorioso em Nova Iorque, pensava em todos os programas turísticos que ainda não tive oportunidade de fazer, em todos os restaurantes que ainda não tive tempo de experimentar, nas exposições que ainda não consegui ver e nas praias não muito longe de Manhattan que mal usufruí este Verão. Mas assim que entrei no aeroporto, fiz o check-in e passei pela segurança, aquela sensação de antecipação precedente a cada viagem que o ambiente de aeroporto enaltece, voltou em pleno.

Momentos de grande expectativa vivem-se também nos Estados Unidos em relação aos jogos Olímpicos de Pequim. Michael Phelps acabou de encher a nação de orgulho pelas suas oito medalhas de ouro, num mês e num ano também terminados em oito, batendo o recorde de medalhas de ouro ganhas nuns únicos jogos detido por Mark Spitz desde os jogos de Munique de 1972. Eu vesti totalmente a camisola, como a grande maioria dos estrangeiros a viver nos Estados Unidos, e regularmente verifico em quanto vão o número de medalhas americanas na sua luta de titãs contra a China. Não porque tenha alguma coisa contra ao desafiar da hegemonia americana, mas porque acredito que o desporto, como qualquer profissão, deve ser uma paixão e não uma imposição governamental mais ou menos explícita. E claro, também se vão recebendo as notícias portuguesas e da nossa medalha de prata ganha por Vanessa Fernandes.

Quando a antecipação se esvai é porque atingimos o objectivo, por agora, vou descobrir Estocolmo, onde acabei de aterrar.

[Publicado no Semanário Económico - 22 de Agosto, 2008]

Aug 16, 2008

NY Diaries 44: La Dolce Vita

Se o mundo é um palco, Nova Iorque é o palco do mundo. As explanadas dos restaurantes e os terraços dos bares com vistas deslumbrantes para os grandes ícones da cidade, como o Empire State Building ou o incrivelmente belo Chrysler, branco, com a sua abóbada de aço multifacetada, atraem, hoje, uma multidão cosmopolita de estilo sofisticado e com sede de uma vida intensa. Se perguntassem ao estrangeiro ou ao americano em Nova Iorque (com uma grande probabilidade de não ser originalmente de Nova Iorque), "Why do you live in [New York]?", à semelhança da pergunta feita ao americano em Roma no filme Roma de Fellini, a resposta seria certamente a mesma, "[New York] is the only place to be to wait for the end". Não há dúvidas, pela maior parte, certezas, de que aqui é para sempre, no que o para sempre de um momento pode demonstrar.

Tal como no mundo de La Dolce Vita, que deu a palavra paparazzi ao dicionário da língua universal moderna, a estrelas passeiam lado a lado com o cidadão comum. Como diz Marcello Mastroianni no filme, "eu gosto de [Nova Iorque], é uma espécie de selva, onde uma pessoa se pode esconder bem". Há como que um direito inerente ao anonimato, porque o que quer que ou quem se fosse numa vida prévia, contornada por outras fronteiras e com outra designação no mapa, aqui não tem nome, ou porque, simplesmente, ninguém quer saber.

O glamour de outros tempos, esse ainda habita em Manhattan, renovado, transformado, como um camaleão revivalista. O Plaza Hotel, que reabriu há poucos meses, parcialmente convertido em condomínios de luxo e com uma parte ainda dedicada a hotel, deslumbra com a sua sala de chá que rivaliza com as salas do Ritz ou do Claridge's, em Londres. Nunca lá tomei o chá das cinco, por isso não posso confirmar se a tradição das sanduíches de pepino ou dos scones é levada à letra, mas o cenário faz jus. O piano toca durante a tarde e daqui a uns meses é a vez de Paris abrir no Plaza uma das suas patisseries favoritas, a Ladurée. De Paris já chegou uma das livrarias que imortaliza o estilo, a beleza e a arte da fotografia, a Assouline, a única fora de Paris, com as suas bibliotecas portáteis Goyard, a branca e a preta, em exposição com livros de lombada a condizer, que convidam a viajar com um baú cheio de livros, porque nunca sabemos qual o livro que nos pode apetecer ler num dado momento e porque os livros são tesouros e como qualquer tesouro são mais bem guardados numa arca.


[Publicado no Semanário Económico - 14 de Agosto, 2008]

Aug 9, 2008

NY Diaries 43: As várias faces da Gotham


É Verão na Gotham, o outro nome para Nova Iorque que foi usado pela primeira vez pelo escritor americano Washington Irving no século XIX. Há certas coisas que nunca mudam, ou se mudam, é para melhor, e assim o SummerStage em Central Park continua a surpreender com concertos de todos os géneros musicais; há também Shakespeare no Parque; o River to River Festival, com eventos em Downtown à beira do Hudson e do East River; ou o Lincoln Center Out of Doors, outro festival de entrada livre com jazz, dança e música americana, que decorre de 7 a 24 de Agosto. O frenesim continua a envolver a cidade, mas ao mesmo tempo com o sabor do calor morno do Verão. Se por um lado, as noites na cidade não são sob um céu estrelado ou as tardes de fim-de-semana de churrascada, como em muitas das localidades que circundam Manhattan, os Nova Iorquinos têm outros prazeres, ou a sua versão dos mesmos, como os piqueniques em que a piza ou outro tipo de comida é, por vezes, entregue pelo restaurante directamente no relvado do parque.

Mas se a energia contagiante do Verão faz a cidade vibrar de acordo com o lema da cidade "work hard, play hard", no mundo paralelo a Gotham está repleta de perigos e vilões. Estamos a falar de Gotham City, a cidade habitada por Batman, o herói criado pela DC Comics, ou mais uma das réplicas de Manhattan que é residência de heróis nos livros aos quadradinhos ou no pequeno e grande écrans. "The Dark Knight", o novo filme realizado por Christopher Nolan, estreou há poucas semanas. "I choose caos", diz o Joker, e, de facto, este filme está repleto de acção. Desta vez foram os arranha-céus de Chicago que deram forma a Gotham City, mas esta continua a ser inegavelmente a face fantástica de Manhattan, a ilha vulnerável que fica incomunicável quando os túneis ou pontes são bloqueadas e que se transforma numa massa de pânico quando as variadas explosões planeadas pelo Joker deitam por terra muitos dos edifícios e infra-estruturas. A densidade do filme é tal que a crítica da The New Yorker fala em post-movie stress disorder, a mim a verdadeira Gotham pareceu-me plácida depois de duas horas e meia de acção. Como que por magia, num efeito semelhante ao que senti quando regressei a Manhattan depois das minhas férias na Índia, as luzes, o trânsito e as pessoas em catadupa pareceram-me de uma ordem exemplar. Nesta última década a verdadeira Gotham tornou-se numa cidade segura, que não precisa de vigilantes encapuçados desde que os riscos não sejam equivalentes a um Joker psicopático, numa interpretação brilhante do falecido Heath Ledger. As nuances do discurso e dos trejeitos, a presença no ecrã e a intensidade da representação merecem bem o que muitos críticos de cinema aclamam como um muito provável Óscar póstumo.

Photo credit: Warner Bros. Pictures
[Publicado no Semanário Económico - 8 de Agosto, 2008]

Aug 2, 2008

NY Diaries 42: Em Busca do Tempo Perdido

Na era do marketing, em que para além de se promover uma empresa, uma ideia ou uma marca, se fala também de marketing pessoal, temos ainda um novo fenómeno, o marketing de uma cidade ou até mesmo de um país. Muitos dos circunstancialismos que transformaram cidades como Nova Iorque e Londres em grandes metrópoles e capitais financeiras podem até ter sido parcialmente conjunturais, no entanto, quando o statu quo é posto em causa, estas cidades contra atacam com muita garra e de uma forma estruturada.

O mundo está em constante ebulição e se na história da humanidade há vários exemplos de ascensão e queda de impérios, hoje, a supremacia económica substituiu o domínio pelas armas e falamos, antes, em super poderes. Os gigantes do século passado estão em xeque, não apenas devido ao rápido crescimento económico de países emergentes, mas, no caso de Nova Iorque, por outros centros financeiros, nomeadamente, pela cidade mais parecida com Nova Iorque em termos de tecido económico, cultural e social, ou seja, Londres. Aqui a rendição não é uma opção e por isso em Janeiro do ano passado foi publicado um estudo comissionado à consultora McKinsey por Michael Bloomberg, o Mayor de Nova Iorque, que visou identificar os factores de risco à supremacia de Nova Iorque como capital financeira do mundo e propor algumas recomendações para reverter os recentes sinais de alarme. Nessa altura, Londres estava ainda confortavelmente sentado na sua poltrona a colher os proveitos da queda ou iminente queda de Nova Iorque. Mas como muitas vezes o rei vai nu e o sol é de pouca dura, na semana passada foi anunciado que também Londres encomendou um estudo semelhante à mesma consultora.

Se as reformas necessárias podem bem ser estruturais, passando pela reforma da regulamentação dos mercados, a verdade é que, primeiro, a proeminência de Nova Iorque está em risco; segundo, tal risco foi identificado antes do facto consumado; e, terceiro, é mais fácil salvar o paciente enquanto o mesmo ainda não está em fase terminal. Que as campainhas de alarme soaram a tempo, é sintomático do espírito que está imbuído na cidade e que é igualmente uma das razões do seu sucesso. Que os pequenos choques se podem transformar num terramoto, também é verdade, e aí todas as áreas podem sofrer as consequências, desde os geradores de riqueza, como as áreas que beneficiam da mesma, ou seja, a indústria de serviços, imobiliária ou mesmo o mundo artístico que perderia muitos dos seus patronos. Ninguém neste lado do Atlântico gostou de ler o relatório, mas não vale a pena enfiar a cabeça na areia e ainda bem que Londres também não o está a fazer. Há que reagir e vender a cidade. Afinal, nós, os que estamos aqui, viemos por uma razão, essas razões ainda existem e todos queremos que continuem a existir. Que melhor cidade do que Nova Iorque para se adaptar…

[Publicado no Semanário Económico - 1 de Agosto, 2008]